As tragédias de Cabo Ruivo

A queda do hidroavião inglês Golden Horn no Mar da Palha, enquanto efectuava um voo de teste, no dia 9 de Janeiro de 1943, criou consternação natural em Portugal. Os jornais mantiveram-se atentos durante dias a fio, recolhendo testemunhos e opiniões.

O rebocador Cabo Sardão ainda conseguiu salvar três tripulantes, retirando-os gelados das águas do rio. Um foi o radiotelegrafista Uttley; os outros, António Chamiço Heitor e Júlio de Sousa. O último não conseguiu fazer frente à hipotermia. Morreu a caminho do hospital.

Avelino José Alves, marido de uma das vítimas, Rosalina Monteiro Alves, fez as buscas por si próprio, numa lancha particular, durante a noite. Não sabia ainda que o cadáver da esposa tinha sido encontrado e levado pelo rebocador Beira.

Os destroços do aparelho foram dando à costa, de Xabregas até à barra.

O relatório feito pela PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) era esclarecedor sobre as condições de segurança que existiam no antigo Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo: “Encontra-se em completa desorganização sendo vulgar os passageiros estarem entre três e quatro horas à espera do sinal de embarque. (…) Muitas são as vezes que, já com os respectivos passageiros a bordo e tudo pronto para a partida, as tripulações vão tomar mais um café, atrasando assim ainda mais a partida, sem consideração alguma pelos passageiros e por todos os que trabalham no aeroporto. (…) Na ajustagem e rectificação de motores, e segundo tenho sido informado, todo o pessoal trabalha, quer sejam os respectivos mecânicos, quer o pessoal das lanchas, etc. O que dá em resultado, por falta de conhecimentos, serem muitas as vezes em que nos aparelhos, à hora da partida, se encontram deficiências, falhas de motores, que impedem as saídas”.

Perante este cenário, surge mais clara a situação estranha de o comandante John Henry Lock ter permitido tantos passageiros, muitos deles civis, a embarcarem no Golden Horn. No fundo, as regras não eram, pura e simplesmente, para serem cumpridas. O que se preparava como um passeio aéreo sobre o Mar da Palha, com vista para o Montijo, onde os aviões de carreira vão passar a aterrar, descambou numa tragédia estúpida.

Não foi a única.

Poucos dias depois, as águas do Tejo iriam ser juncadas com mais mortos.