Não há caso mais mediático do que o do rio Hudson. Em 2009, um avião descolou de Nova Iorque e perdeu os dois motores na sequência de uma colisão com gansos. Uma manobra de emergência fez do piloto um herói por ter conseguido fazer pousar o avião na água, com um balanço bastante positivo: apenas um ferido ligeiro.
Em Portugal, não há registo de manobras ousadas o suficiente para dar direito a filme de Hollywood, mas contamos já com uma lista considerável de casos de bird strike – nome dado à colisão ou perigo de colisão entre aviões e aves. O mais relevante aconteceu em junho de 2011, quando um avião que tinha saído do Funchal foi obrigado a regressar ao aeroporto depois de um bando de gaivotas terem entrado num dos reatores. Já no ano passado, em julho, um avião da SATA, que fazia a ligação Terceira-Lisboa, teve de regressar ao aeroporto das Lajes depois de uma ave embater num reator.
Até aqui falamos de colisões, mas no conceito de bird strike cabem também as situações de avistamento de aves com perigo de colisão. Em Portugal, de 2012 até 2016, foram 1322 as situações do género reportadas à Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), o que representa 22,4% do total de incidentes com aeronaves, que podem ser tão variados como o avistamento de drones ou serem encontrados objetos nas pistas dos aeroportos.
Os dados a que o SOL teve acesso não discriminam os casos em que houve mesmo uma colisão com aves e aqueles em que o perigo resultou de um avistamento, mas evidenciam que os meses de Verão – junho e julho principalmente -, são os registam mais acidentes, por serem também os que registam maior tráfego aéreo no país. Já quanto aos locais de perigo de acidente, é Lisboa que surge no topo, com 34,4% das ocorrências. Seguem-se os aeroportos do Porto (24,8% dos casos),Faro (19,4%) e os das ilhas que, no seu conjunto, registaram 148 acidentes nos últimos cinco anos.
De um modo geral, poucas são as ocorrências reportadas que identificam a espécie da ave envolvida. Em 2016, por exemplo, só foram identificadas as espécies da aves em 30% dos casos. Mas quando identificadas, a ANAC revela que as espécies de aves predominantes neste tipo de ocorrências são as gaivotas, os pombos e as andorinhas.
Montijo é melhor opção?
Numa altura em que parece estar fechada a localização do novo aeroporto de Lisboa, o fenómeno do bird striking promete merecer atenção redobrada. O primeiro-ministro defende que a utilização do Montijo como aeroporto complementar de Lisboa é a solução de «maior viabilidade», mas é exatamente a localização que preocupa os ambientalistas, tendo em conta a proximidade com o estuário do Tejo, uma zona onde coabitam mais de 200 espécies diferentes. O Governo já pediu um estudo de impacte ambiental que inclua esta vertente. Para Carla Graça, da associação ambientalista Zero, o fundamental é conseguir conciliar as duas rotas: as dos aviões e a dos pássaros, de maneira a que não colidam. «É por isso», explica, «que este estudo tem que ser completo e abranger um ano de migrações».
Apesar de grande parte das aves que lá se encontram serem inverneiras – ou seja, passam o Inverno em Portugal e, na Primaver,a migram para os países do Norte da Europa, onde se reproduzem – existem aves que permanecem durante todo o ano neste local. «E mesmo as que viajam para outros países estão em constante movimento dentro do estuário e também entre estuários, como o do Sado», explica Joaquim Teodósio, coordenador do programa de conservação terrestre da SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves).
Das 200 espécies de aves, 46 gozam de estatuto de proteção natural, entre elas duas das mais comuns no estuário: o alfaiate e o pato trombeteiro. «São espécies em risco e cujo habitat tem que ser preservado», acrescenta Carla Graça.
A ambientalista e o biólogo concordam que, perante o panorama geral, o Montijo será, tal como defende Costa, a melhor das opções. «O facto de o aeroporto já existir é positivo, implica menos obras e um menor impacto sobre as aves», lembra Joaquim Teodósio. Também Carla Graça considera que «preferível ter o aeroporto da Portela mais um [o do Montijo] do que assistirmos à construção de um novo de raiz». Mesmo assim, a especialista salienta que o problema pode surgir com construções adjacentes, como infraestruturas de apoio e acessos. «Podem invadir o sapal [nome que se dá à zona costeira, rica em biodiversidade] – onde os peixes e a aves se alimentam», refere.
Joaquim Teodósio salienta a «forte capacidade de adaptação» das aves, mas lembra que essa capacidade tem limites. «Se, a longo prazo perceberem que este habitat deixa de ser o melhor, é possível que mudem as rotas». Se as rotas dos aviões e dos pássaros forem bem coordenadas, é possível que o estuário do Tejo mantenha a biodiversidade atual. «Também conseguiram adaptar-se a uma obra brutal como a construção da Ponte Vasco da Gama. Mas atenção, que essa é uma peça imóvel e não aviões em constante movimento», avisa Carla Graça.