Quantas vidas tem Lena D’Água?

“Sempre que o amor me quiser, é só fazer um sinal”. Foi com estas palavras que Lena D’Água ficou eternamente marcada no imaginário dos portugueses. A voz lânguida, a imagem delicodoce. 

Amanhã, Lena D’Água será uma das oito finalistas do Festival da Canção a subir ao palco do Coliseu dos Recreios, na tentativa de se sagrar vencedora e assim representar Portugal na final europeia, que terá lugar em maio, em Kiev.

Apesar da longa carreira, a cantora nunca tinha sido convidada para o Festival da Canção e nunca escondeu que gostaria de o fazer – apenas participou como coro dos Gemini, em 1978, quando participaram com o tema ‘Dai Li Dou’. Acaba por conseguir concretizar o seu desejo num ano em que o festival se repensa e abre portas a toda uma nova geração de compositores e vozes – muitos deles saídos de programas televisivos de talentos.

Entre esses surge então Lena D’Água,  60 anos, veterana, anos de estrada em cima numa vida e numa carreira que mais parecem dependências de uma montanha russa. Pela mão de Pedro da Silva Martins, dos Deolinda, Lena D’Água dá voz a ‘Eu Nunca Me Fui Embora’. Um tema que, de resto, tem muito de biográfico, já que o autor se inspirou na própria vida e palavras da ex-vocalista dos Beatnicks e dos Salada de Fruta.

Lena D’Água, que hoje em dia vive uma vida tranquila mas não eremita na aldeia de A-dos-Ruivos, cresceu com a influência de um pai – José Águas – ligado ao futebol e, mais tarde, um irmão – Rui Águas – que lhe seguiu o exemplo. Mas ainda assim muito cedo percebeu que gostava mais do Dó, Re, Mi do que de bolas e balizas – tanto que não se esquece de ser uma muito precoce catequista e se deixar seduzir pela música de Bob Dylan ou de subir ao palco nas reuniões de moradores do Bairro de Santa Cruz, em Benfica, onde cresceu.

Tinha 20 anos quando começou uma carreira – foi a primeira mulher vocalista de uma banda de rock portuguesa, os Beatnicks. Em 1980 junta-se aos Salada de Frutas mas pouco depois – e apesar do sucesso – lança-se a solo, chegando o maior dos sucessos em 1984, quando, do álbum Lusitânia, sai o single ‘Sempre que o Amor me Quiser’.

Como tantos outros projetos que singraram nos anos 80, também Lena D’Água enfrentou depois momentos mais complicados, musicalmente e também a nível pessoal, levada pela ressaca da euforia de anos que mais se repetiram.

Mas esteve sempre no ativo, sobretudo com um projeto ligado ao jazz e outro ligado ao rock. Nunca se foi embora e é isso que grita bem alto com esta música que a leva ao Festival da Canção. Como que de uma derradeira ironia se tratasse. Afinal, não são só os gatos que têm vidas para gastar.