França. Socialistas aceleram desintegração

Valls diz que não vai votar no homem que o derrotou nas primárias socialistas. Votará em Macron, que recebe um presente envenenado.

A mais-do-que-evidente fratura interna nos socialistas franceses sofreu esta quarta-feira uma nova brecha.

Manuel Valls, cara da ala mais conservadora do Partido Socialista, ex-primeiro-ministro e antigo candidato a ser a sua cabeça de lista para as eleições deste ano, anunciou em direto que volta atrás com a palavra, se recusa a votar no homem que o venceu nas primárias e que, em nome do melhor interesse do país, escolhe Emmanuel Macron, com quem partilhou o governo do ultra-impopular François Hollande e de quem já foi considerado um importante inimigo político. 

“É uma questão de bom-senso”, disse Valls esta quarta-feira, dizendo querer evitar uma disputa entre François Fillon e Marine Le Pen na segunda volta, em maio. “Não acho que se devam tomar riscos pela República. Por isso, votarei em Emmanuel Macron”, lançou, em direto na televisão. “O melhor interesse de França leva a melhor às regras de uma primária.”

Surpresa?

O distanciamento não é inteiramente surpreendente. Valls, afinal de contas, lidera a corrente oposta à de Benoît Hamon, o homem que o derrotou na segunda volta das primárias 59%-41%. Hamon representa a ala mais esquerdista do PS francês e propõe, por exemplo, a criação de um rendimento básico incondicional, volumosas medidas de proteção ambiental e um imposto para o trabalho robótico.

Valls, por outro lado, é a cara da Terceira Via e da dura resposta antiterrorismo do governo de Hollande. Ou, nas palavras desta quart-afeira de Hamon, que se arrisca a ficar num embaraçoso quinto lugar, a representação “daquele tipo antigo de políticos que já não acreditam em nada e que vão para onde o vento os leva, com pouco respeito pelas próprias convicções”.

Hamon tem poucas ou nenhumas hipóteses de sobreviver à primeira ronda das presidenciais, já em finais de abril. Ronda os 10% de intenções de voto, atrás mesmo de Jean-Luc Mélenchon, o candidato da extrema-esquerda francesa – o que não impediu Hamon de tentar esta quarta colher os seus votos, apelando a uma união das esquerdas. 

Se é verdade que o centro-direita também está com um pé de fora da segunda volta e agenda as suas próprias lutas internas para depois das eleições, isso deve-se acima de tudo à crise judicial do seu candidato, François Fillon, que, até explodir o escândalo de pagamentos ilícitos à sua mulher e filhos, era o mais provável vencedor das eleições.

Presente duvidoso

Esse cargo está quase definitivamente entregue a Emmanuel Macron, por estes dias em luta com Marine Le Pen pelo primeiro lugar na ronda de abril e bem colocado para vencer a volta de maio – por dez pontos ou mais.

Valls garantiu esta quarta que a sua declaração de voto não é uma intenção de apoio e que não entrará na campanha do candidato independente, que tem tentando ao máximo descolar dos seus tempos de ministro da Economia de Hollande, evitando o carimbo de “socialista disfarçado” e a venenosa impopularidade do atual presidente francês.

Macron, de resto, agradeceu o voto de Valls, mas apressou-se a garantir que não o nomearia primeiro-ministro e que a sua candidatura representa a “garantia da mudança de rostos”. A erupção em que o Partido Socialista entrou esta quarta-feira, de resto, pode garantir o álibi a Macron.

Já cerca de meia centena de socialistas recusaram votar em Benoît Hamon, mas nenhum tão importante como Valls. E esta quarta-feira sofria por isso, atingido por dezenas de militantes.

Poucos com a mesma intensidade que o antigo ministro Arnaud Montebourg: “Toda a gente sabe agora quanto vale um compromisso assinado pela honra de um homem como Manuel Valls: zero.”