Alguém terá que remar

Duvido de quem defende que a Europa unida tem uma solução para qualquer atual problema. Duvido menos de quem defenda que a Grécia Antiga tem uma resposta para qualquer atual questão.

Enquanto Atenas pecava por ausência de soluções, sendo demasiado dependente do mar tanto para a paz como para a guerra; a União Europeia de hoje peca por excesso de problemas e não há espaço nesta coluna para enumerá-los. 

Esta semana, a primeiro-ministro do Reino Unido, Theresa May, pediu formalmente a saída da UE.

Há dois mil e quinhentos anos, os mitileneus saíram da aliança ateniense com o objetivo de entrar na aliança espartana. Assim como os britânicos, também habitavam uma ilha de preponderância estratégica. 

Para a União Europeia, o Reino Unido será uma perda orçamental, pois são o terceiro maior contribuinte; defensiva, pois têm o armamento nuclear que a Alemanha não possui; política, pois têm a cultura democrática que Bruxelas não aprecia; e comercial, pelas óbvias razões. 

Curiosamente, Mitilene virou-se para Esparta como Londres se vai virando para Washington, D.C.. E não é coincidência que já haja análises que comparam o isolacionismo nacionalista de Donald Trump ao povo de Esparta.

Se quisermos extrapolar, a União Europeia como potência comercial e tendencialmente democrática é hoje mais ateniense que os Estados Unidos da América. Tal é uma mudança de contexto, não apenas ocidental como global. 

A reação de Atenas perante a fuga de Mitilene foi breve. Para não arriscar a desintegração que a perda de outros aliados traria, ordena a execução sumária dos homens mitileneus com mais de catorze anos e condena à escravatura todas as mulheres e crianças. Aquilo que hoje chamaríamos «efeito vacina» serviria de exemplo para que outra cidade não voltasse a desertar a aliança ateniense rumo a Esparta.

Partem navios atenienses para a ilha dos mitileneus, remando vagarosamente devido a tão brutal encargo. 

É mais ou menos nesse ritmo que passarão os próximos dois anos – o tempo estimado para a concretização do Artigo 50 e consequente Brexit. 

Nesse sentido, a tentação europeia será semelhante à ateniense. Para nenhum outro Estado-membro seguir o caso britânico, impossibilitar-se-á um bom acordo para o Reino Unido. Ambas as partes saem prejudicadas economicamente, mas preserva-se a unidade política da Europa. 

É outro ponto em comum que o projeto europeu mantém com a cidade ateniense. Até as democracias de génese mais nobre podem degenerar. 

De volta à Grécia Antiga, Diódoto, um cidadão ateniense, lança um apelo à reversão da ordem. Poupar as vidas dos mitileneus é, defende ele, do interesse de Atenas. 

Passam-se várias horas e o orador convence a cidade. É enviado novo navio com o objetivo de corrigir o mal que o outro firmaria. 

Com a moral indolência dos primeiros remadores e a energia redobrada dos segundos, os atenienses chegam momentos antes da execução dos mitileneus. Em formato de equilíbrio de vontades, poupou-se a população e mataram-se os oligarcas – nada que não fosse recomendável a Bruxelas. 

Na Europa de hoje, ainda não ouvi ninguém fazer de Diódoto. O homem do discurso, se é que o há, é bom que se apresse. E os remadores que estejam prontos para a corrida.  

É que Atenas morreu cercada e por doença interna. Para os portugueses, não convinha nada que o mesmo sucedesse à União Europeia.