Comemorámos esta semana os 60 anos do Tratado de Roma. Em vésperas do Brexit, a efeméride veio num manto de alheamento das opiniões públicas europeias, com desconfiança entre vários dirigentes e com duras negociações para fechar uma mera declaração conjunta que traduz o arrefecimento que vive o projeto europeu. Findos os discursos do momento, cada qual voltou a casa para enfrentar o euroceticismo e as inquietações nacionais que corroem os pilares europeus e, a prazo, a estabilidade democrática no continente. Mas que Europa é esta e como é que chegámos até aqui?
Depois de 1945, num sistema de Estados-Nação com séculos de conflitos, a Europa estava no rescaldo da guerra mais fratricida da História e tentava reerguer-se do inferno em que se lançou a si própria e ao mundo. Os europeus estavam dizimados, enfraquecidos, esgotados.
Acabara definitivamente a era de Versalhes que levara à antecâmara da Segunda Guerra e às raízes do ressentimento histórico alemão que serviu de fornalha à máquina política e militar do nazismo, os velhos impérios ruíram, novos Estados acotovelaram-se em identidades nacionais em formação, o mundo bipolar estava no horizonte.
A Leste, a União Soviética que tinha sido decisiva para derrotar o nazi-fascismo desmobilizava o exército vermelho mas deixava ‘democracias populares’ no interior da Cortina de Ferro. Do lado Ocidental, desmembrar e desmilitarizar a Alemanha era fundamental para os países vencedores. Os EUA iniciavam o seu papel hegemónico na ordem internacional. Virá a Guerra Fria.
Paralelamente, era preciso reerguer economicamente a Europa devastada pela guerra, o que foi feito com programas massivos de investimento público, sem esquecer (ironia…) perdões de dívida à Alemanha Ocidental. Mas a via militar não chegava e a via política estava bloqueada. Foi então que um conjunto de seis dirigentes visionários se juntaram em Roma a 25 de Março de 1957 e lançaram as bases daquilo que viria a ser a União Europeia.
Esse ato conduziria a Europa ao seu maior período de paz, progresso social e bem-estar. A UE (e, antes, a CEE) passaram a representar os melhores padrões de qualidade de vida, proteção social e ambiental, diversidade cultural, sistemas públicos de ensino, saúde e previdência, diálogo social, justiça e igualdade. Foi em nome desse ideal que Mário Soares fez a campanha da «Europa connosco», ultrapassando o atraso herdado do salazarismo.
Quando alguém se designavacomo «pró-europeu», era em nome desses valores que afirmava a sua pertença a um espaço comum: contra o fechamento, o nacionalismo, o liberalismo desregulado. Sucede que hoje a ‘Europa’ tem muito pouco a ver com isto. Capturada pela tecnocracia e por instituições que mandam mas não são eleitas (como o Eurogrupo, o braço político alemão), a Europa tem vindo a esfarelar-se na desconfiança entre blocos regionais e num mandaritano que impõe um pouco de tudo, desde a socialização dos prejuízos da banca à redução de salários. E nós lá nos fomos sujeitando a uma burocracia indistinta que ninguém elegeu. Pior ainda, fazemo-lo em nome de valores distorcidos: Schäuble, que por exemplo se afirma como «europeísta», não poderia ser mais contrário à filosofia funcional da Velha Europa.
Se não questionarmos este rumo e as razões do profundo descontentamento de tantos povos com o caminho que estamos a seguir, dificilmente chegaremos unidos à celebração dos 120 anos do Tratado de Roma.
Saibamos agir a tempo em nome da bandeira que, em tempos, todos reconhecíamos na cor do futuro e da esperança.