As avenidas lisboetas que sofreram obras de remodelação estão mais bonitas e inimigas dos condutores que gostavam de estacionar em cima dos passeios. Mas essa preocupação deixou a vida complicada aos bombeiros em caso de algum incêndio na Av. da República ou junto ao Instituto Superior Técnico, por exemplo. Os inúmeros pilaretes, árvores e bancos colocados em frente aos prédios impossibilitam uma rápida intervenção dos bombeiros em caso de incêndio.
Para o presidente da Liga de Bombeiros Portugueses, Jaime Soares, há situações «que podem retardar e criar dificuldades, porque acontece». No entanto, explica que «mesmo com as obras que foram ou possam vir a ser feitas, há maneiras de prestar socorro» e ressalva que qualquer autarca tem em conta este tipo de necessidade.
«É inevitável que todos os passos tenham de ser bem planeados porque um minuto no socorro faz toda a diferença», admite Jaime Soares, muito embora sublinhe que em grande parte dos casos os técnicos acabam sempre por ter preocupações ao nível das linhas de fuga porque as zonas não podem ficar desprotegidas e um qualquer incidente traria custos vários, até mesmo políticos: «O corredor de socorro não pode em caso algum ser afetado, mas hoje está muito enraizado que estas preocupações fazem parte de todos os processos».
No entanto, fonte ligada a todo o processo das obras feitas em Lisboa garante ao SOL que, por exemplo, na Av. da República foram cometidos «erros nos raios de curvatura e a única hipótese que tiveram foi colocar pilaretes». E o problema da falta de acesso a determinadas zonas e o facto de poder estar em causa a prestação de serviços de socorro, segundo a mesma fonte, afeta outras avenidas que estiveram sujeitas a intervenção.
«O gabinete de projetistas apenas tinha arquitetos e paisagistas. Os engenheiros não foram consultados. E, se houve uma altura em que por um metro não se podia fazer o que quer que fosse por colocar em causa a circulação de meios de socorro, agora verifica-se exatamente o contrário», adianta ainda a mesma fonte.
Mas há mais zonas que são postas em causa, nomeadamente, a do Instituto Superior Técnico. Nesta zona, «tudo foi feito ao contrário do que estava proposto. A ideia era ter o estacionamento junto ao muro do Técnico e o passeio alargado do outro, mas foi feito ao contrário». Conclusão: quem quer entrar ou sair do Instituto não consegue e também aqui se levanta um problema semelhante ao da Av. da República. «Na zona do Técnico passou a existir apenas uma fila de trânsito e ainda há o semáforo da Alameda. Isto causa dificuldades porque acaba por haver muitos problemas na circulação. Ora: havendo pilaretes de um lado e carros do outro, pode haver boa vontade, mas os condutores desviam-se para onde de forma a deixar passar os bombeiros?», chama a atenção a mesma fonte, levantando ainda a questão de a consulta a engenheiros ter sido feita apenas através de consultadoria externa.
A razão de tantos pilaretes
Mas porquê tantos pilaretes? Para Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, a cidade é uma das que mais precisa de pilaretes que apenas foram colocados em várias zonas devido «à falta de civismo dos condutores». Fernando Medina chegou mesmo a referir que «não conseguimos fazer melhor porque a alternativa é estarem lá os carros». No entanto, há quem entenda o contrário e afirme que não só era possível fazer melhor como era o que devia ter acontecido tendo em conta que algumas das decisões tomadas colocam em causa a segurança.
«Na renovada Avenida da República, há várias situações de estacionamento abusivo em zonas de cargas e descargas e em zonas onde é proibido», afirmou Fernando Medina, justificando a necessidade de colocar pilaretes neste local.
No geral, Jaime Soares defende que qualquer cidade que possa ser afetada por obras tem de ser vista de vários pontos de vista e um deles tem a ver com o corredor de socorro.
O SOL tentou, sem sucesso, contactar a Câmara Municipal de Lisboa.
A história ensina
Quem chama a atenção para as questões de segurança, deixa claro que pode nunca acontecer nada, mas a verdade é que há histórias que ficaram na memória de todos e que deixaram marcas ainda hoje sentidas por muitos. Perigos que podiam ter sido evitados, mas a que muitos só deram importância depois de acontecer.
Estávamos na madrugada de 25 de agosto de 1988. O alerta surgiu às 5h00: havia um incêndio na Rua do Carmo. Mas rapidamente esta deixou de ser a rua em questão. O incêndio alastrou-se de edifício em edifício, de rua em rua. Apenas meia hora depois, tinham chegado à Rua Nova do Almada e as chamas seguiam em direção à Rua Garret.
No meio de várias dificuldades sentidas no combate a este incêndio, nomeadamente, por causa de bocas de incêndio que não funcionavam, Lisboa aprendia nessa madrugada uma grande lição: O maior obstáculo ao combate do incêndio, que reduziu os Armazéns do Chiado a cinzas, foi o facto de a Rua do Carmo ser uma rua apenas para peões. Na altura, o então presidente da Câmara tinha optado por instalar canteiros de betão que serviam de bancos para quem por ali queria passear, mas estes canteiros impediam a passagem de qualquer veículo, mesmo que se tratasse de um meio de socorro. Na altura, um dos bombeiros chegou a dizer, ao jornal A Capital: «Nero deitou fogo a Roma e Abecassis [nome do então autarca] a Lisboa».
O incêndio que Portugal não esquece acabou por levar à morte duas pessoas e deixou marcas em mais de 70 feridos. Várias centenas de pessoas ficaram desalojadas e mais de vinte edifícios ficaram totalmente destruídos. Perdia-se então grande parte da memória de uma cidade.
Obras por todo o lado
O ano de 2016 ficou marcado por obras que se espalharam um pouco por toda a cidade. Tornou-se difícil percorrer a cidade sem encontrar ruas cortadas, sentidos proibidos, indicações de novos desvios. Obras poderia ter até sido a palavra escolhida para caracterizar a capital portuguesa no decorrer do ano passado. Tudo para cumprir a promessa de ter mais estacionamento, mais ciclovias e mais espaços verdes. Um dos anúncios feitos foi o arranque das obras da nova Feira Popular. O novo espaço, em Carnide, conta com um parque urbano de 20 hectares e o orçamento apostado, no ano passado, referia 11,5 milhões gastos na compra de parte do terreno.
Outra novidade foram as obras no chamado Eixo Central (ver texto do lado) cujo orçamento apontava para 7,5 milhões de euros. O projeto previa o alargamento dos passeios, a criação de ciclovias e de zonas verdes.
Entre outros projetos que foram postos em marcha estava ainda o do Campo das Cebolas. Falamos de um orçamento de 12 milhões para uma praça arborizada e um parque para crianças. O projeto previa ainda um parque de estacionamento subterrâneo para mais de 200 veículos.
Também o Cais do Sodré esteve na mira das mudanças que foram imaginadas para Lisboa. A ideia foi conseguir transformar a zona num espaço mais verde, onde os transeuntes conseguissem avistar o rio Tejo, assim que se iniciasse a descida do Chiado. O orçamento era de 6 milhões.