Venda de drogas na dark net aumenta

Relatório Anual de Segurana Interna de 2015 revela que o negócio da droga no submundo da internet  está a aumentar. Polícia Judiciária garante que está atenta ao fenómeno.

Sempre ouvimos falar na comparação entre a internet e a cebola: ambas são compostas por várias camadas. Mas enquanto a cebola nos deixa a lacrimejar sem que seja necessário chegar à sua raiz, a internet é mais sorrateira – dá-nos imagens que nos deixam felizes, torna-se a nossa melhor amiga no trabalho e em casa, mas, nas suas camadas mais profundas, o lado mais negro do ser humano vem ao de cima. Pedofilia, tráfico de seres humanos e organização de ataques terroristas são alguns dos temas que se podem encontrar na chamada darknet. O tráfico de droga é outra das matérias mais procuradas neste submundo da internet, uma área que a Polícia Judiciária (PJ) investiga e tenta combater.

Por incrível que possa parecer, a darknet surge a partir das boas intenções de quem sabe manusear a internet. Há cerca de 15 anos, os jornalistas começaram a ter dificuldades em fazer a cobertura dos conflitos no Médio Oriente e a passar informações para o ‘exterior’ sobre o que se estava a passar. «Foi criada uma web sobreposta à internet ‘normal’ para garantir a privacidade desses jornalistas. Era muito difícil detetar a localização da pessoa ou mesmo quem ela era», explicou ao i Pedro Veiga, coordenador do Centro Nacional de Cibersegurança. «[A deep web] Começou por ser desenvolvida com um objetivo bom, mas, mais tarde, os criminosos começaram a aproveitar-se deste novo meio para fazer tráfico diverso. A essa parte chama-se darknet», acrescentou o especialista.

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2015, divulgado na semana passada, existe uma crescente utilização da darknet no tráfico de droga, quer por parte de indivíduos isolados, quer por organizações criminosas. Um dos exemplos mais recentes foi divulgado pela PJ no passado dia 28 de março: em causa está o desmantelamento de um laboratório de estupefacientes e substâncias psicoativas na zona da Grande Lisboa, cujas encomendas eram feitas pela internet e o pagamento efetuado através de bitcoins (moeda virtual). Não é especificado no comunicado se estes indivíduos, ambos de nacionalidade estrangeira, operavam na darknet, mas o procedimento é semelhante ao que costuma ocorrer nesta camada da internet – é feita uma encomenda através de um site específico para esse propósito, o valor é pago através de dinheiro virtual e a o material comprado é enviado por correio para todo o mundo, em pequenos envelopes ou encomendas postais. 

Esta foi a primeira vez que a PJ apreendeu bitcoins (num valor equivalente a 14.000 euros), mas há algum tempo que as autoridades estão atentas ao fenómeno da darknet, já que, como explicou ao SOL Artur Vaz, coordenador de Investigação Criminal da PJ, o aumento de tráfego nesta camada da internet, mencionado no RASI deste ano, não é uma constatação recente, mas sim algo que tem vindo a crescer, fruto da disseminação das novas tecnologias. 

«A PJ está atenta a estas realidades emergentes e tem vindo a capacitar-se no sentido de as enfrentar, tal como acontece com a generalidade das polícias de outros países», afirmou o mesmo responsável, reforçando o facto de, em janeiro deste ano, ter sido criada uma unidade nacional de combate à cibercriminalidade. 

Droga por ar, terra e mar

De acordo com a informação fornecida no RASI de 2015, foram intercetados 0,31 gramas de heroína, 21.033 gramas de cocaína, 27.520 gramas de canábis e 495 gramas de ecstasy que eram transportadas por via postal. Comparando com os dados relativos a outros meios de transporte (ver tabela ao lado), estes são números bastante baixos, quase insignificantes, mas que não deixam de ser preocupantes para as autoridades portuguesas. «A droga pode ser encomendada através da internet, mas tem sempre de ser entregue fisicamente. Os pedidos feitos via darknet são depois enviados por via encomenda postal para casas das pessoas (…) Esta é uma realidade que a PJ está a acompanhar», garante Artur Vaz. Questionado sobre o facto de existirem portugueses a vender neste tipo de negócio cibernético e de quais as principais nacionalidades a recorrer a estes sites para comprar estupefacientes, o coordenador da PJ preferiu não se pronunciar.

Mas, sem falar especificamente na compra e venda destas substâncias através da darknet, é possível, analisando o relatório anual, ter uma noção de dados relativos ao consumo de droga em Portugal. Comparando com o ano anterior, em 2015 houve um aumento da quantidade apreendida de heroína (201,22%), cocaína (62,22%) e ecstasy (609%), registando-se apenas uma diminuição na apreensão de haxixe (92,63%). Foram detidas por tráfico de estupefacientes 5566 indivíduos – 508 do sexo feminino e os restantes do sexo masculino. Estes dados representam um aumento de 27,63% das detenções, face ao ano anterior.

Quantos aos países de origem dos estupefacientes que têm como destino Portugal, o Brasil é aquele que mais fornece cocaína, enquanto Marrocos é a principal nação de providencia da canábis. Mas este tipo de droga também é fornecido por Portugal a países como a França, Bélgica, Áustria, Alemanha e Reino Unido.

Um mundo difícil de aceder

O acesso à chamada darknet não é fácil. No entanto, chegar ‘às portas’ deste submundo não é tão difícil quanto se imagina. Com o desenvolvimento da internet e a disseminação das mais variadas informações, é fácil encontrar sites e blogues que ensinam como entrar nesta camada da internet… Ou, pelo menos, chegar a um meio de acesso.

Para o fazer, a maioria das pessoas instala o TOR, um browser (como o Google ou o Firefox) onde as pessoas podem fazer as mais variadas pesquisas. Muitos usam também o indexador duckduckgo que não regista as pesquisas feitas.

Depois, muitos dos utilizadores decidem recorrer a uma virtual private network (VPN). Trata-se de uma rede de comunicações privada ‘construída’ sobre uma rede pública. O TOR usa uma VPN automaticamente, mas aqueles que querem mesmo esconder a sua identidade, optam por recorrer a outra. Assim, é possível ocultar não só a sua identidade, mas também o local onde se encontra – uma pessoa que esteja em Portugal, utilizando uma VPN localizada noutro país, simula a sua localização.

O utilizador pode, então, fazer todas as pesquisas que quiser – incluindo temas que os restantes motores de busca ‘barram’ por considerarem imorais ou violadores dos princípios básicos da vida em sociedade. Mas, neste ponto, o utilizador encontra-se apenas a navegar pela deep web – para entrar no lado mais negro, está dependente de fatores humanos, como a confiança e a imprevisibilidade. Isto porque, em muitos casos, só é possível aceder a sites alojados na dark net através de convites ou de conhecedores do seu endereço IP (número que identifica um site), visto que não existe um endereço com nomes, como aqueles a que estamos habituados a usar.