Millennials. Bem formado mas mal pago

Os salários dos que conseguem emprego não fazem jus às competências e formação que adquiriram. Sonhos adiados, trabalhos precários, estágios infinitos, recibos verdes a toda a hora. Eis a vida no trabalho dos millenials portugueses.

Inglaterra

Fabiana, 28 anos

Enfermeira

"Recebi uma chamada depois de imensos currículos enviados com uma proposta de trabalho com uma remuneração de 3€ à hora. Perguntei a quem estava do outro lado da linha se achava bem pagar tal quantia a um enfermeiro e para além de ser mal tratada ainda me desligaram o telefone na cara. Já tinha emprego em Inglaterra e sentia-me realizada mas aquela chamada fez-me sentir que realmente o meu país não me valoriza como licenciada. Mais tarde decidi dar uma segunda chance ao meu país e trabalhei num Hospital em Portugal que me "exigia" por vezes trabalhar 18horas seguidas. Era uma das únicas enfermeiras a trabalhar em apenas um sítio, a maioria dos meus colegas tinham mais do que um trabalho na área para conseguirem um salário melhor. Eu voltei para Inglaterra".

 

Lisboa
Marta, 26 anos
Formada em Arquitetura

“Sou arquiteta e há três anos que trabalho. Na empresa onde estou recebo 700 euros por mês a recibos verdes, sem seguro de acidentes no trabalho. 

Controlam-se as entradas com livro de ponto, exige-se que se trabalhem horas extra que não pagam e, no entanto, se chegas dez minutos atrasada tens que dar justificação ao patrão. Se ficas doente, descontam o teu dia de trabalho. Viva a precariedade! Tudo isto é megailegal porque estou a fazer o estágio para a Ordem e barafustaram comigo quando lhes disse que me informaram na Ordem que era obrigatório ter um contrato de trabalho. O importante neste ateliê é dar muito dinheiro a ganhar ao patrão. Berros são constantes, entre ofensas.” 

Viseu

João, 28 anos

Gestão Bancária e Seguros 

Sou aplicador de protector de queijo numa empresa de laticínios. Começo por falar nos intermediários de trabalho, ou seja empresas de trabalho temporário que nada têm a ver com o que tu vais fazer e se aproveitam do trabalho dos outros para ganharem dinheiro. Fui contratado por uma empresa de comércio e reparação de automóveis para trabalhar nos laticínios em horário das 17h até à 1h30 da manhã sem receber subsídio de alimentação nem noturno. Para além de serem contratos precários, não te dão estabilidade nenhuma.

Entretanto passaram-me para a empresa de laticínios há cerca de dois meses, ofereceram-me um contrato de salário mínimo no qual ficariam limpos os míseros 500€ isto sem contar com o desgaste do meu carro.
Eu rejeitei o contrato já que nem uma cópia do mesmo me davam, certamente por ser ilegal, entretanto estou lá sem assinar nada.
Sublinho ainda que é um trabalho isolado, repetitivo em regime noturno.
Querem por vezes forçar a que façamos horas extras com um fantástica oferta de 2,45 € ilíquido.
Eu não deixo que abusem muito mas há colegas que se rebaixam e fazem-lhes uma tremenda pressão, querem que "andes na linha", mas não é de cabeça erguida. 

Lisboa
Jorge, 25 anos
Formado em Sociologia

“Tenho licenciatura em Sociologia e estou em vias de me formar em mestrado na mesma área. Chego ao fim destes ciclos com pouca esperança em ter trabalho na minha área, ou seja, continuar a fazer investigação académica a nível sociológico. Se, por um lado, existem poucas bolsas de investigação para doutoramento, por outro são residuais as ofertas de bolsas nos centros de investigação – que são as principais formas com vencimento e que permitem dar continuidade ao trabalho de investigação científica. Sempre trabalhei para conseguir dar resposta aos meus estudos. De forma residual, em call centers, mas de forma contínua em gráficas onde são produzidos várias revistas e jornais portugueses. O trabalho que exerço nestes locais não necessita de formação especializada. Trabalho para uma empresa subcontratada que, além de mim, tem outras dezenas de trabalhadores ao seu serviço (muitos destes trabalhadores nem chegam a ficar mais de um mês a trabalhar), muitos deles imigrantes. Trabalhamos sem contrato, recebemos por hora em alguns trabalhos, mas também trabalho à produção. Ou seja, os trabalhadores são colocados, lado a lado, a fazer trabalhos manuais de acabamentos em jornais e revistas, revertendo o total da nossa produção no nosso ganho diário. Não raras vezes, a nossa jornada de trabalho dura bem mais que as oito horas diárias. E não ter um horário fixo faz com que, às vezes, sejamos avisados poucas horas antes de que há trabalho para se fazer no dia em questão. Em época de férias estou a full-time e, quando terminar o curso, a única certeza que tenho à minha espera é que nesta área posso conseguir trabalhar a full-time – com toda a precariedade e cansaço que estes trabalhos proporcionam.” 

Porto
Clara, 23 anos
Licenciada em Comunicação

“Sou assistente de direção, licenciada em Assessoria e a frequentar mestrado em Marketing na Faculdade de Economia do Porto. Quando fui à entrevista de trabalho estava há 3 meses à procura. Não era a minha área, mas foi uma entrevista que um familiar me arranjou. Gostaram da minha formação e deveria colaborar no projeto de internacionalização da empresa. “Estás contratada. O horário é das 09h00 às 19h00.” Fiquei tão entusiasmada que só no dia seguinte, quando fui trabalhar, percebi que iam ser 9 horas de trabalho por dia. Mas fiquei. Porque era um emprego e estava farta de ficar em casa. Por uma questão de acaso, a assistente de direção teve de ficar de licença e pediram-me para a substituir. O número de horas mantém-se e, embora não trabalhe na minha área (embora colabore ocasionalmente com o departamento de marketing), gosto muito do meu trabalho; nada é perfeito e as coisas boas superam esse pequeno senão.” 

Santa Maria da Feira
Mário, 28 anos
Comissário de bordo

“Quando a necessidade aperta, sujeitamo-nos a tudo ou quase tudo, certo? Bom, foi nesse contexto que, com 19 anos, decidi arriscar e aceitar uma proposta de trabalho a cerca de 300 km de casa, onde prometiam mundos e fundos. A proposta era ‘trabalho leve na seleção de fruta para grandes marcas de sumo/néctar a nível nacional/internacional, cinco dias por semana, casa e contas pagas e bom ordenado’.

Realidade: escravidão. Trabalhávamos no mínimo 12 horas por dia, a fazer recolha de fruta das árvores e transporte da mesma durante dezenas de metros em caixas de 20 quilos ou mais. Casa imunda de bactérias, inclusive hóspedes indesejados (ratos), partilhada com mais 10 pobres coitados, com apenas três quartos, e nenhum deles tinha cama, apenas colchões. Sem mencionar a cozinha em que os utensílios estavam imundos e teriam no mínimo 20 anos, numa área de dois metros por dois metros. Era um trabalho árduo, no mínimo durante seis dias por semana e muitas vezes sete, para receber 20 euros por dia, sendo ainda maltratados e injuriados. Parece do submundo, mas tudo isto aconteceu e acontece no nosso ‘pequeno’ Portugal. A maioria desistiu passado um par de semanas. Fiquei até ao fim da temporada por necessidade e a verdade é que foi uma boa escola para a vida, mas que não repetiria. Só que, quando a necessidade aperta…” 

Porto
Pedro, 25 anos
Licenciado em Comunicação

“Há um par de anos, recém-saído da faculdade, comecei uma intensa e difícil procura de emprego na minha área de estudos. Através de indicação de um amigo, candidatei-me a uma grande empresa de design no Grande Porto. Não estava com grandes expetativas, mas arrisquei e fui chamado para a entrevista. Essa empresa já era bem conhecida nas redes sociais por causa das condições de trabalho que proporciona aos trabalhadores. Mas quando me chamaram para a entrevista não associei os nomes, pois a direção cria vários outros, fictícios, de forma a poder recrutar pessoas sem ser ‘reconhecida’ – mas também de forma a obter mais benefícios do Estado. Claro que, como queria muito trabalhar e ganhar experiência, e depois de me ter aconselhado com outras pessoas, resolvi aceitar quando me ligaram. Grande erro. Desde ter de levar o meu próprio computador a grupos de WhatsApp para nos controlarem a toda a hora em que criticavam e pressionavam as pessoas a terem melhores resultados, de forma pouco saudável. O patrão, como mora no estrangeiro, baseia-se nesses grupos para fazer observações, críticas, comentários, etc. A pressão era imensa. O clima era tenso, as intrigas também. Era cada um por si. Todos criticavam, pisavam uns por cima dos outros para serem mais bem-vistos aos olhos do patrão. Nesta altura, o descontentamento já era maior que tudo. O patrão, que estava constantemente a mandar sms, chegou a ligar-me um dia à meia-noite para falar sobre trabalho. Estivemos duas horas ao telefone: ele sempre a falar e eu a ouvir. Tive colegas que ficaram três meses sem salário, apenas porque demonstraram o seu descontentamento. Depois de abusos, humilhações, de ver colegas a ser maltratados, vim embora e esse pesadelo acabou.” 

 

Maia
Sofia, 23 anos


Licenciada em Gestão

"Sou licenciada em Gestão pela Faculdade de Economia do Porto e neste momento tenho três trabalhos. Trabalho como administrativa numa empresa têxtil, dou explicações e trabalho aos domingos num restaurante. Num bom mês consigo tirar 750 euros limpos. Sinto-me feliz porque pelo menos tenho emprego. mas acho tudo isto muito injusto. Só se diz que os jovens não querem trabalhar. E acredito que alguns não queiram claro, tal e qual os mais velhos, até porque as condições que se oferecem hoje em dia são vergonhosas. Agora, não é correto generalizar, por mim falo, quero muito trabalhar, e para um dia conseguir sair de casa dos meus pais provavelmente não posso fazer outra coisa se não isto. Acho injusto. Até porque neste momento é praticamente insignificante ter um curso. Uma pessoa esforça-se para estudar mas começa com as condições de um não licenciado".

Porto
Sofia, 25 anos
Licenciada em desporto

“Estou a terminar mestrado em Atividade Física e Saúde no Porto. Há cerca de meio ano, trabalhei sete horas por dia, com um dia de folga semanal, a receber 400 euros (dois euros à hora) num restaurante no Porto. 

Além de não haver contrato, qualquer tipo de condição laboral, tive de me sujeitar por necessidade durante um mês e meio a um tipo de condições a que um estudante, após seis anos de estudos académicos, não se deverá nunca sujeitar. Contudo, este é só um dos exemplos para o meu caso. Tenho mais uns quantos colegas/amigos na mesma situação devido à situação atual do país. Além de tudo isso, qualquer hora extra não era paga, a gestão de todo o trabalho envolvido era muito mal realizada e os horários eram acordados no próprio dia pelos colaboradores. 

A isto junta-se o valor extra pelos domingos que trabalhei mas que nunca recebi. Tudo isto resulta num ambiente laboral pouco favorável, desmotivante e incerto para qualquer tipo de trabalhador jovem com ambição de crescer profissionalmente.” 

Porto

Joana, 26 anos

Comercial

"Para começar, quando ingressei nesta non-adventure, (porque foi tudo menos bonito ou bom de experienciar, apesar de achar que bom ou mau acaba por te beneficiar mais tarde de alguma forma) estava a acabar a minha licenciatura,tinha tempo a mais durante a semana e estava desesperadamente a precisar de dinheiro para sustentar os meus gastos e necessidades. Na altura, estava à procura de um part-time há imenso tempo e nada aparecia, portanto baixei o meu
filtro e a minha seletividade e candidatei-me para tudo um pouco. Até que por obra e graça do Espírito Santo chamam -me para entrevista de vários locais. Acabei por ficar numa das lojas do GRANDIOSO Grupo Inditex, que de grande só mesmo a  conta bancária do dono.O Grupo tem varias lojas e tipos de preços, eu fiquei numa das lojas que vende mais devido aos valores baixos e acessíveis que pratica, e não necessariamente devido à qualidade dos mesmos.
Aquilo que mais me marcou depois da temporada que lá estive foi, para além dos valores que recebemos por horas que para mim deviam ser impraticáveis, a exploração que é exercida em alguns colaboradores e maus tratos, pressão psicológicade, todo um grupo de factos assustadores mas reais. Considero-me uma profissional exemplar, seja dentro ou fora da minha área, mas as características típicas de um bom trabalhador hoje não são valorizadas. 
Para além do almoço ou jantar que seriam duas ou uma hora por dia, existia a pausa de 15 minhutos por dia, que não te eram ´oferecidos’: para teres os 15 minutos de pausa a que tens direito, tinhas de entrar 15 minutos antes
do teu horário de início de trabalho, caso contrário esse momento não existia. Ao fim do dia, chegava a casa morta de cansaço, a desejar que chegasse o dia de folga e não tivesse de olhar para a cara daquelas pessoas desagradáveis que
partilhavam o mesmo espaço que eu e, literalmente, praticam 'bulling' em colegas".