Entrevista ao fugitivo de Caxias: “Paguei 25 mil euros a cada um dos quatro guardas”

Jeki Matos, o homem em fuga há 104 dias da prisão de Caxias, continua a expor a sua vida no Facebook. Em declarações ao SOL, revela como pagou a guardas para o protegerem.

É conhecido por Jeki Matos, tem 30 anos e vive em Portugal desde os 15. Em fevereiro, juntamente com outros dois reclusos, conseguiu fugir da prisão de Caxias. É o único por apanhar, numa fuga que já dura há 104 dias. Com a polícia no seu encalce, continua a fazer publicações no Facebook. Está na lista dos criminosos mais procurados e insiste em ‘gozar’ com a polícia e com a justiça ao publicar imagens nas redes sociais em que aparece na piscina ou a fazer jogging. Em declarações ao SOL, via videoconferência, diz estar fora do país e explica como e quanto pagou a quatro guardas prisionais para  encobrirem a fuga.

Um ano e meio em Caxias

O luso-israelita estava em regime de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Caxias desde outubro de 2015, por suspeita de envolvimento em assaltos violentos a jogadores de casino, extorsão, associação criminosa, branqueamento de capitais, ofensa à integridade física, roubo, furto e tráfico de droga. «Sou inocente de todos esses crimes, eles tentaram num ano e meio provar e não conseguiram», diz Jeki, alcunha de Joaquim, recluso n.º 348 de Caxias. 

Se já tinha um mandado de captura europeu, está agora com um outro de âmbito internacional, o que quer dizer que pode ser detido em qualquer país com representação da Interpol. As últimas notícias apontavam para que estivesse em Israel, país que não tem acordo de extradição com Portugal. Nestes casos, a verificar-se a detenção, o suspeito tem de ser julgado no país de acolhimento, com base nos factos recolhidos no país que pede a extradição. 

Em entrevista ao SOL, porém, o homem garante que, neste momento já não se encontra em Israel. «Estive lá de férias, em casa de amigos». Sobre o seu preparadeiro, diz apenas estar «no continente africano».

Jeki dá, contudo, pormenores detalhados da fuga. Foi ele o «cérebro»: planeou tudo, envolvendo os companheiros de cela Roberto Ulloa e Jorge Naranjo – recapturados poucos dias depois da evasão. Ocupavam a cela Q21 da prisão de Caxias, uma prisão considerada de alta segurança. «Estávamos a planear a fuga há oito meses e durante seis meses, todos os dias, cortávamos um bocado da grade. Usámos fios de cabelos americanos, conhecido assim na gíria das prisões, que é basicamente uma serra em fio», diz.  «Todos os dias há uma revista das celas, eu soube lidar com os guardas e para além disso alguns deles sabiam exatamente o que é eu estava a preparar».

Depois de conseguirem cortar as grades da cela e a rede do exterior da cadeia, os três reclusos tinham um carro à espera, vazio. «Não tínhamos ninguém à nossa espera», continua. «Mandei um reboque deixar um carro perto da prisão de Caxias e entregar as chave a um amigo meu. A esse meu amigo pedi que deixasse o carro aberto com as chaves debaixo do tapete do condutor. Eu sabia exatamente a matrícula e o modelo do carro. Saímos da cadeia e fomos calmamente para o carro», explica, a rir-se. «Achava que isto era impossível de se fazer e ainda hoje acho piada eu estar onde estou e da maneira como tudo aconteceu».

Questionado sobre ajuda que alega ter tido no interior da prisão, Jeki garante ter pago a quatros guardas, cujos nomes o SOL optou por não publicar.  «Paguei para conseguir fugir da prisão de Caxias e tive o privilégio de gravar a minha fuga. Dentro daquela espelunca paguei a quatro guardas para fecharem os olhos e deixarem-se fugir».

Quanto aos valores, Joaquim Matos diz ter pago 100 mil euros –  «pagos em dinheiro e repartidos de igual forma, 25 mil [euros] a cada um», adianta, recusando revelar a origem do dinheiro.

Já questionado sobre por que motivo denuncia agora o nome dos guardas, respondeu: «já não preciso deles». Mas adianta que  agiu deliberadamente contra um dos guardas. «O chefe “António” (nome fictício) estava de serviço e eu preguei-lhe uma partida. Queria fugir no dia em que esse chefe estivesse de serviço porque tem a mania que é mau, que mata todos e quis assustá-lo (…) São todos uns corruptos, foi muito fácil comprá-los, estes foram ainda mais fáceis” referindo-se ainda aos guardas como “palhaços».

Através de uma fonte da cadeia de Caxias, o SOL confirmou que o chefe “António” estava efetivamente de serviço na madrugada de 19 de fevereiro, dia em que se deu a fuga, por volta da 1h da manhã. Também a mesma fonte confirma que todos os guardas prisionais e chefes que o foragido mencionou trabalham na prisão de Caxias. 

O SOL tentou entrar em contacto com todos os guardas em questão, tendo sido apenas possível falar telefonicamente com um deles, que informou não poder «prestar declarações à comunicação social nem me pronunciar sobre esse caso.

Segundo fonte próxima do processo no estabelecimento prisional de Caxias, neste momento não existe nenhum guarda suspenso no âmbito desta fuga nem nenhuma investigação direcionada em guardas em particular.  Existe apenas um inquérito à fuga de âmbito de geral, em colaboração com a Polícia Judiciária. O mesmo foi confirmado ao SOL pela Direcção Geral dos Serviços Prisionais, que garante estar aberto um inquérito interno para apurar as causas da fuga. Questionada sobre se existe algum inquérito direcionado a algum guarda em particular, a DGSP respondeu negativamente.

Vídeos na cadeia

Entre os vídeos que Joaquim Matos publicou nas redes sociais há um um que o recluso evadido garante ter sido filmado na sua cela. As imagens mostram como tencionava cortar as grades. Questionado sobre o uso telemóvel no interior da prisão, Joaquim Matos denunciou um quinto guarda como o sendo o responsável pela entrada de aparelhos eletrónicos na cadeia de Caxias. «Comprei o meu telemóvel na prisão, diretamente ao guarda “Eduardo” (nome fictício). Ele vende telemóveis entre 350€ e 500 euros, 350€ para os amigos como eu e 500€ para os não muito amigos. A esse guarda comprei um Samsung J1 e ainda o tenho», admite Jeki Matos, mais uma vez a rir-se. Segundo o SOL apurou, já existiam suspeitas na prisão sobre o envolvimento deste guarda na entrada de telemóveis no estabelecimento prisional.  

Questionado sobre o seu tom provocatório, o foragido promete continuar a fazer publicações no mesmo registo. «Vou continuar a dar chapadas aos policias, mas sem mãos, prometo mais, muito mais, seus bananas». Na quinta-feira, já depois da conversa com o SOL, Jeki Matos fez um direto no Facebook a partir de uma discoteca, onde mostrava ter escrito no antebraço ‘348’, ‘Caxias’ e dizia «estou a divertir-me, seus bananas».

Outro dos vídeos, gravado já depois da fuga, foi dirigido à Ministra da Justiça. Filmado num carro em andamento, do lado de fora da janela o foragido faz uma pergunta ao condutor «para que lado fica Caxias?», ao que este responde «para a direita». Nesse vídeo é possível ver no canto inferior direito, no lugar do pendura, um colete da Polícia de Segurança Pública. Questionado sobre origem desse colete, Joaquim Matos responde dizendo que «posso-lhe dizer que o dono do carro é policia, da PSP, é mais um que se me quisesse prender prendia, é amigo e vai continuar a ser amigo».

Inquérito em curso

O SOL sabe que as publicações de Jeki Matos no Facebook estão a ser seguidas pela investigação. Fonte da PJ indicou que continuam  as digilências «necessárias e habituais» para trazer o fugitivo perante a justiça portuguesa. «Facebook, Twitter ou instagram podem ser utilizados como prova», indicou a mesma fonte. 

Até há cerca duas semanas, o comissário Cunha Martins, que começou a liderar o Estabelecimento Prisional Caxias apenas seis dias antes da fuga, tinha sido um único elemento da prisão ouvido pela PJ do inquérito.

Mateus Dias, presidente da Associação Sindical de Chefias do Corpo da Guarda Prisional, diz que «não acredita nem desacredita» no eventual envolvimento de guardas prisionais na fuga dos três reclusos, mas garante que, caso isso se confirme, vem a público pedir a demissão e a condenação desses guardas. «Tudo é possível. É possível que tenha havido ajudas, é possível que eles tenham fugido sem ajudas», admite por agora. «Os dois inquéritos em curso são somente para apurar as causas de como a fuga aconteceu e desconheço em absoluto algum inquérito sobre algum elemento de vigilância», conclui o presidente do sindicato.

«Estive em Angola de férias e vou para a África do Sul daqui a uns dias. Desde que não pise a Europa ou países que não têm a extradição, tudo bem», disse por fim ao SOL Jeki Matos.