1955 a 1966. Ninguém batia à porta da casa dos primos invejosos

Real Madrid, Benfica, Milan e Inter dominaram a primeira década da Taça dos Campeões. Fora do futebol latino, só Eintracht de Frankfurt e Partizan de Belgrado conseguiram quebrar uma ditadura férrea.

Semana de final da Liga dos Campeões, semana ideal para se falar da história da Taça dos Campeões desde a sua época de estreia em 1955/56.

Para se perceber a realidade das competições internacionais de clubes na Europa é necessário fugir das amarras de uma série de ideias feitas que atrapalham o natural entendimento dos factos. Reduzir tudo à dimensão da UEFA  é ignorar um complexo movimento organizativo que se iniciou no antigo Império Austro-Húngaro nos últimos anos da década de 1890. Aliás, repare-se: a Taça dos Campeões surgiu por iniciativa de um jornal, o francês L’équipe, e só mais tarde é que a confederação veio a adoptá-la. Convém, por isso, alargar horizontes, por muito que isso custe a alguns revisionistas ocasionais.

Se consultarmos a lista dos vencedores e finalistas da Taça Latina (primeira edição em 1949) – campeões da França, Espanha, Itália e Portugal – vamos encontrar o espelho dos primeiros dez anos da Taça dos Campeões. Estão lá o Real Madrid (6 vitórias/2 finais TCE – 2 vitórias TL); o AC Milan (1 vitória/1 final TCE – 2 vitórias/1 final TL); o Barcelona (1 final TCE – 2 vitórias TL); o Stade deReims (2 finais TCE – 1 vitória e 1 final TL); e o Benfica (2 vitórias/2 finais TCE – 1 vitória/1 final TL). Impressionante!

Até surgir um cometa chamado Celtic em 1967, impedindo o terceiro título europeu doInter de Milão, apenas espanhóis (Real Madrid, 6), portugueses (Benfica, 2) e italianos (AC Milan, 1/Inter, 2) tinham conquistado essa taça que se transformara na coqueluche da Europa. Uma férrea ditadura latina que se alargou até à extraordinária final de HampdenPark, em Glasgow, no dia 18 de maio de 1960, quando, perante uma multidão de quase 130 mil pessoas, os alemães doEintracht de Frankfurt pagaram caríssimo o atrevimento de terem sido a primeira equipa não latina a surgir no jogo derradeiro. Com quatro vitórias nas quatro primeiras edições da prova, o Real Madrid de Santamaria e Zárraga, de Gento e Del Sol, de Di Stéfano e Puskás, cilindrou o campeão alemão por um resultado único: 7-3. Di Stéfano (27, 30 e 73 minutos) e Puskás (45, 56, 60 e 71) fizeram todos os golos dos espanhóis. Kress (18) e Stein (72 e 75) aligeiraram a contabilidade.

A mudança. O grande Real dos anos-50 atingiu aí o seu zénite. Nas meias-finais tinha feito gato-sapato de umBarcelona que sonhava igualar os feitos europeus dos merengues (3-1 e 3-1). Na época seguinte, vingança barcelonista nos oitavos-de-final – 2-2 e 2-1. Mas o sonho desfez-se em Berna, no dia 31 de Maio de 1961. O Benfica de Béla Guttmann, com Coluna, Águas, Cavém, Santana, José Augusto, Germano, derrotou dolorosamente os catalães de Suárez, Gensana, Evaristo, Kubala, Kocsis e Czibor – 3-2. Um ano mais tarde, em Amsterdão, repetiria o feito, agora desfazendo o Real Madrid por 5-3 e já com Simões e Eusébio, autor de dois golos.
Com quatro presenças na final em quatro anos, parecia que oBenfica iria ocupar o lugar do Real Madrid nessa euforia de títulos. Mas o futebol mudara, entretanto.

Se o Milan que surgiu em Wembley, no dia 22 de Maio de 1963, para interromper a série dos encarnados de Lisboa, ainda era uma equipa com ânsias ofensivas, compensando a rigidez de Giovanni Trapattoni e Cesare Maldini com a acutilância de Pivatelli, Gianni Rivera e do brasileiro José Altafini (marcou dois golos) – conhecido até ao Mundial de 1958 por Mazzola, por causa das suas semelhanças com a estrela do Inter, e obrigado a mudar de nome depois da transferência para Itália -, já o rival milanês que lhe sucedeu, o Inter de Helenio Herrera, um treinador entusiasta do cattenaccio – essa deformidade estratégica que fez o belo jogo recuar anos futuramente irrecuperáveis – foi um fenómeno na forma de anular virtudes adversárias. Apesar de possuir jogadores com a classe de Luiz Suárez (vindo do Barcelona), Sandro Mazzola e Jair, eram homens como Giacinto Fachetti e Tarcisio Burgnich que se impunham.
Real Madrid e Benfica foram as vítima desse Inter que encerrou a tal ditadura latina da Taça dos Campeões, vendo-se derrotado em Lisboa pelos escoceses do Celtic, cumprem-se agora exactamente cinquenta anos.

A final de San Siro – polémica porque só na véspera das meias-finais é que a cidade de Milão foi escolhida para palco do jogo decisivo, mesmo sabendo-se que isso poderia beneficiar os italianos – transformou-se numa exibição de inegável cinismo, com os portugueses durante a segunda parte reduzidos a dez por lesão do guarda-redes Costa Pereira, substituído na baliza por Germano, mas superiorizando-se, ainda assim, nos movimentos de ataque e protagonizando as grandes oportunidades de golo. Jair decidiu a partida aos 43 minutos – 1-0. Até à final, os encarnados tinham marcado 27 golos em 8 jogos. De pouco lhes serviu. Nunca até aí a final da Taça dos Campeões Europeus se reduzira a tão pequena margem de golos.

“Eras sobre eras se somem/No tempo que em eras vem”, escrevia Pessoa.

O Real Madrid viria a somar o seu sexto título em 1966, frente ao Partizan de Belgrado, apenas o segundo não latino a chegar tão longe. Acabara-se a era de Di Stéfano. Nos 18 anos que se seguiram, só o Milan entrou na lista dos vencedores. Holanda, Alemanha e Inglaterra assumiram o poder.