Rússia. Céu alto e czar longe

Amanhã, em Kazan, no país dos tártaros,  Portugal estreia-se frente ao México na Taças das Confederações.

Rússia. Céu alto e czar longe

KAZAN – É já amanhã que, em Kazan, capital dos tártaros que Ivan O Terrível resolveu arrasar em nome da cristandade, porta de entrada para a Sibéria que se estende para leste até aos confins de Providenia, junto ao Mar de Behring, Portugal, o Portugal-Campeão-da-Europa, entra com a pompa e circunstância própria de um Elgar, na Taça das Confederações, um nome ligeiramente pomposo para uma competição que parece, para alguns, ser uma grandessíssima estucha, como se percebe pelo caso alemão.

É bem verdade que, nesta fase do ano, final de época, os jogadores já estão espremidos como tangerinas até à casca e às pevides. Mas o calendário ordena e as seleções obedecem. Apesar de tudo, obedecem umas mais prazeirosamente do que outras. Não restarão grandes dúvidas que para equipas como o Chile, o México ou a Rússia, esta competição preparatória do próximo Mundial, levada a cabo em quatro cidades – Moscovo, São Petersburgo, Kazan e Sochi – terá uma importância que o sentido prático dos teutões não consegue por completo abranger.

Há uma velha frase russa, do tempo de Pedro O Grande, que absorve a vontade de uma conquista dependente, essencialmente, de quem a profere: «O céu é alto e o czar está longe…» Ou seja, traduzido em pergunta: a quem posso pedir ajuda? A resposta? Procura-a dentro de ti.

Declaração de vontade

Quando Fernando Santos proferiu, durante a passada semana, o seu mantra preferido – «Comigo Portugal joga para sempre para ganhar!» -, estabeleceu as coordenadas que eram adivinháveis. A seleção nacional veio à Rússia com o objetivo de juntar este troféu à Taça Henry Delaunay, erguida à custa de sangue suor e lágrimas em Paris. Para já, cabe-lhe defrontar, por ordem do sorteio, México, Rússia e Nova Zelândia, numa corrida aos pulinhos entre Kazan, Moscovo e São Petersburgo. Não é possível afirmar, sob risco de andarmos por aqui a meter os pés pelas mãos, que se tratam de favas contadas. Bem pelo contrário. Embora também não seja fácil de aceitar que, num grupo assim, um dos dois primeiros lugares – os que dão acesso às meias-finais – não esteja ali ao alcance do esticar da mão daquela a que Ricardo Ornellas chamava A-Equipa-de-Todos-Nós.

Para já, para já, o México. 

Pode dizer-se, em linguagem estudantil, que é um veterano. Seis presenças na competição, uma vitória, frente ao Brasil, em 1999, precisamente no México-

Juan Carlos Osorio, colombiano, tomou conta da equipa depois da saída de Miguel Herrera. Tem fama de ser um picuinhas, se a expressão me é permitida. Um bicho de conta das táticas que estuda os adversários ao pormenor. Foi assim no Once Caldas, no New York Red Bulls, no Atlético Nacional. É assim à frente de uma seleção que tem como lema uma frase que magoa por dentro como uma verdade subitamente revelada a sangue frio. Não, essa frase não é «tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos», embora pudesse ser e viesse a propósito daquilo que escrevi anteriormente sobre os russos. A frase que fere o âmago dos mexicanos é: «Jugamos como nunca y perdimos como siempre!» Foi manchete do El Mañana depois de uma derrota (injusta, pelos vistos) face ao Brasil.

Como diz o povinho, malandro e manhoso, de Silvas Cura a Santiago de Riba Ul, o seu a seu dono. Parece, e ninguém até hoje o desmentiu, que o autor da expressão se chamou Alfredo Di Stéfano, a Saeta Rubia que Eusébio considerava o melhor jogador de todos os tempos. Não vou ser eu a atribuir-lhe outra paternidade. Mas acrescento, no correr das linha: Portugal está agora, nesta fase da vida da equipa que leva na camisola os cinco escudos azuis dos reis mouros derrotados na Batalha de Ourique, nos antípodas dessa espressão. Joga como sempre e ganha como nunca.

Seja essa uma razão para a crença do selecionador e dos atletas que ele escolheu, todos alinhando no discurso optimista desta nova versão de um Portugal-que-vence. Foi assim em França, por que não será na Rússia, agora, e depois na Rússia, outra vez, quando for tempo de cá voltar, daqui a um ano?

Do lado de lá do campo, os portugueses encontrarão gente bem conhecida: Hector Herrera, Diego Reyes, Miguel Layun, Raul Jimenez. Mas muitos outros que têm ganho lugar de destaque no futebol universal: Rafael Marquez, Giovani Dos Santos, Carlos Vela, Javier Hernández, o Chicharrito, Hector Moreno, Jonathan Dos Santos.

«Jugamos como nunca», dizem eles. E tem um grande fundo de verdade. A despeito das derrotas que marcaram até à alma esta seleção do centro da América, o México tem sido um dos exemplos de futebol positivo, ofensivo, descarado até à protérvia.

Recordo-me de Gelsenkirchen e do Mundial da Alemanha. Um estádio pintado de verde. Vitória portuguesa, sim, mas no meio de uma vertigem de movimentos incontidos, vindos de uma gana profundamente genuína, fatalmente insustentável. Ah! O México quer jogar, e ganhar, e bater-se pelas vitórias mesmo que perca como sempre. Portugal que se prepare… Amanhã, em Kazan, não haverá nem esquecimento nem perdão, como dizia o Conde de Monte Cristo. Será até ao osso.