‘O país que somos’

A solução passa por dar mais tempo às consultas. Não para registar melhor este ou aquele indicador estatístico, mas para explicar aos doentes o que devem fazer

Em finais de 1984 fui nomeado pelo ministro da Saúde de então, Dr. Maldonado Gonelha (cujo desempenho de funções ainda hoje recordo e que muito me apraz registar), auditor do Curso de Defesa Nacional, em representação do Ministério. 

No final desse curso, a ‘tese’ a defender por todos os auditores era subordinada ao tema ‘O país que somos’, expressão muito curiosa e que se prestava a várias e diferentes avaliações. Não mais esqueci este curso (que havia de mudar muita coisa na minha vida) nem o trabalho final com o título sugestivo, que tenho utilizado nas mais variadas situações.

Uma notícia dada há tempos pela TSF, segundo a qual um estudo da União Europeia revelava que um em cada quatro portugueses nunca ouvira falar da União Europeia, trouxe-me de novo à memória o referido curso e sobretudo o seu final: ‘O país que somos’…

Não tenho responsabilidades governativas, nem me compete tirar conclusões acerca deste estudo – mas, como cidadão, tenho direito a exprimir a minha indignação e a enorme tristeza por tão pobre resultado.

Pela análise que faço à luz da minha experiência clínica, por muito que me custe reconhecê-lo, não fico surpreendido com este resultado demolidor que a todos nos envergonha. 

Sejamos realistas. O grau de instrução do nosso país é, de um modo geral, baixo, e o investimento que devia ser feito acaba por ser desviado para outras áreas. Acresce ainda todo o ambiente que nos rodeia. A televisão que nos ‘alimenta’ e acompanha para todo o lado, o que mostra? Telenovelas a todas as horas, debates sobre futebol em todos os canais e programas recreativos sem qualidade ou interesse cultural. É o que tem audiência! 

Passamos junto a uma banca de jornais e o que vemos? Revistas a dar visibilidade a pessoas que nada fizeram para a merecer, mas que se vão tornando conhecidas por aparecerem nos programas televisivos. É o que vende! Sexo, violência ou crime é do que o povo mais gosta, desperta curiosidade e é o que é notícia! Com todos estes condimentos, que temos a esperar?

No meu campo específico, constatamos cada vez mais o desconhecimento dos doentes em relação a tudo, ignorando aquilo que é mais básico e elementar. Daí sentir-se a necessidade de investir a sério numa verdadeira ‘Educação para a Saúde’, área essa de que muito se tem falado mas pouco se tem feito.

O problema do ato médico tem de ser revisto, e a solução passa obrigatoriamente por dar mais tempo às consultas. Não para registar melhor este ou aquele indicador, que só serve para fins estatísticos ou para ‘enfeitar’ programas informáticos. Mas para se poder descer ao pormenor e explicar cuidadosamente aos doentes o que podem e devem fazer. 

Para que servirá tanto arsenal terapêutico para tratar a diabetes, se uma grande percentagem de doentes não cumpre, por desconhecimento, o esquema alimentar correto e adequado a cada caso? 

E, para as doenças respiratórias, os novos fármacos no mercado não podem esconder que o primeiro objetivo do médico é, com o ‘engenho e a arte’ necessários, levar os doentes a deixar de fumar. 

No caso do stresse, essa palavrinha que entrou como uma luva no nosso vocabulário, antes de receitar medicamentos é preciso começar por identificar o fator desencadeante e corrigir estilos de vida – tal como a explicação pormenorizada da necessidade do exercício físico regular, sem dúvida mais importante do que a credencial para a fisioterapia. Tudo isto dá trabalho, ocupa muito tempo, mas os doentes merecem e é por eles e para eles que estamos aqui. Contem connosco!

É bom que se tenha em consideração que Portugal ocupa um lugar muito baixo numa escala mundial em termos de prevenção do acidente vascular cerebral (AVC), consequência de muita coisa que tem falhado e do muito trabalho que ainda está por fazer neste capítulo.

Continuem a apostar em ‘números’, esquecendo os doentes, e depois queixem-se de que temos hipertensão mal tratada, que aparecem mais doentes diabéticos, e que os casos de cancro não param de aumentar. É tudo uma questão de opção.

Oxalá esta nova geração tenha a coragem de olhar para esta realidade de olhos nos olhos, e esteja disposta a correr todos os riscos em favor dos doentes. Mas se continuarmos amarrados ao ‘deixa andar’, ao ‘logo se vê’, ao ‘quem quiser que faça’, muito típico do ‘portuguesinho’, não passaremos nunca da mediocridade em que temos vivido, suspirando por melhores dias. É a nossa sina. É o nosso fado. É ‘o país que somos’…

Opinião de Luís Paulino Pereira