Tancos. Nenhuma das torres tinha vigia

Todos os sistemas de segurança estavam avariados, a cerca estava em obras, as 25 torres sem vigia e não havia critério na hora das rondas

Com todos os sistemas avariados – câmaras de videovigilância, sensores de movimento e cabos de pressão que deveriam disparar quando pisados por mais de 25 kg –, o Paiol Nacional de Tancos não tinha uma única medida de segurança sem ser a assegurada fisicamente por um número quase caricato de militares. A juntar a estas falhas, parte circundante do paiol estava a ser, à data do assalto, restaurada. Por isso, todos os que por lá prestam serviço tinham plena noção de que um roubo era um desastre à beira de acontecer, assegurou ao i um ex-militar de Tancos que fez centenas de rondas no paiol.

As rondas ao local eram asseguradas por militares, mas o número de efetivos destacados para o trabalho – no mínimo, seis sentinelas, um cabo e um sargento – era absurdo, tendo em conta o tamanho do mesmo e o tipo de material que ali é guardado. “Só para ter uma noção, o paiol tem a dimensão de um quartel normal”, explicou a mesma fonte.

Torres sem vigia

A segurança do Paiol Nacional de Tancos roda, mensalmente, entre três unidades distintas: o Comando de Reação Rápida [localizado em Tancos e que é a unidade mais próxima do paiol]; o Regimento de Engenharia n.o 1 – e que estaria, segundo o i conseguiu apurar, responsável pelo local à data do incidente – e o Regimento de Infantaria n.o 15, de Tomar.

Não há uma regra sobre o número de rondas ou a periodicidade das mesmas. “Isso acaba por ser gestão do comandante que lá está na altura, do sargento do paiol. Há unidades em que aquela quantidade de pessoas está lá fechada 24 horas durante uma semana. Há outras unidades em que o serviço é efetuado de 24 em 24 horas, ou seja, estão sempre a trocar as equipas. A equipa dos sentinelas é a mesma durante a semana, o que reveza é a parte dos sargentos. Mas isto é muito relativo porque é decidido pelos efetivos que lá estão em missão”, explica.

Segundo o ex-graduado seriam precisos, no mínimo, 75 militares para assegurar a segurança contínua do espaço. “Aquilo tem, se não estou em erro, 25 torres de vigia. Ou seja, para conseguir garantir o serviço, tinham de ser pelo menos 75 pessoas. Não se pode saturar um homem 24 horas num posto. Normalmente faz-se duas horas de serviço e descansa-se quatro. Para cada posto de vigia eram precisos três homens, mínimo dos mínimos.”

Um número que é impossível de satisfazer tendo em conta a quantidade de efetivos do Exército. “Se não se consegue chegar a ter essa quantidade de praças em certos quartéis para o funcionamento normal, quanto mais tirá-los da unidade para ir fazer serviço num paiol nacional!”, afirma.

De acordo com a mesma fonte, “uma ronda geral ao perímetro externo da rede, se for apeada, demora cerca de duas horas, e a andar bem. Se for na viatura, mais ou menos 30 minutos”, recorda. “Mas se formos dar a volta inteira a pé a todos os 20 paiolins, demora-se meio-dia.” Ou seja, quando se chega ao último, já o primeiro local está sozinho “há muitas horas”. E isto de dia – durante a noite, os tempos alongam.

A maioria das sentinelas não sabe que material é guardado dentro de cada paiolim – há uns cheios, outros basicamente vazios –, mas até isso depende da unidade que lá estiver a prestar serviço: “Por exemplo, se for alguém de engenharia, até pode saber onde estão guardados os explosivos”, revela.

Manhas e Google Earth

Segundo este antigo militar, quem entrou para roubar o material de guerra conhecia bem “o conceito daquilo”, até porque levou munições [ver lista ao lado, divulgada ontem pelo jornal “El Español”] que podem chegar a pesar 100 kg. “Se foi nos paiolins internos, garantidamente alguém teve de entrar lá para dentro com uma viatura, porque é muito longe da parte da cerca exterior.” E quando se refere a uma viatura não fala sequer de um carro: “As granadas e munições vão em qualquer lado, mas os lança-rockets… São munições que não pesam menos de 100 quilos cada. Roubar dez coisas daquelas, estamos a falar de uma tonelada. Fora o resto.”

Sobre os autores do crime, este ex-militar aponta o dedo à rotatividade de efetivos e à exposição do próprio local na internet. “Há um grande problema no Exército: toda a gente que passa por lá acaba por conhecer as manhas de tudo e mais alguma.” Uma possibilidade já confirmada pelo chefe do Estado Maior do Exército, Rovisco Duarte que, em entrevista à RTP, admitiu que possa ter existido cumplicidade de um colaborador da base.

Além das possíveis fugas internas, basta ir ao Google Earth para perceber a geografia do espaço. “Vai-se ao Google Earth, chega-se a Tancos e consegue–se ver perfeitamente como é que aquilo é construído, ver a melhor maneira de lá chegar, a melhor maneira de sair”, afirma o antigo militar.