Sobrenatural. No tempo em que Zandinga mudava a vontade dos astros…

Em África, as equipas não dispensam feiticeiros e a prática do vudu. No Brasil, dizem que se a macumba ganhasse jogos, o campeonato da Baía terminava empatado. Em Portugal, entra-se pelo caminho do ridículo, que roça muitas vezes o grotesco

Os brasileiros costumam dizer: se a macumba ganhasse jogos, o campeonato da Baía terminava empatado. Em África, por outro lado, equipa que não leva consigo um ou mais feiticeiros não é equipa que se preze. Isto é, não obedece ao rito. Em redor do campo onde o jogo se disputa, coreografam-se danças, erguem-se braços aos céus, reclama-se a presença dos loas, os espíritos do vudu, também chamados Os Invisíveis, intermediários entre o Bondyé, o ser supremo, e os humanos. Já vi, no Mali, no Benim, no Togo, cortarem pescoços a galinhas sobre os riscos de baliza. E uma histeria de grupo instalar-se nas bancadas.

Ao pé disto, as velhinhas histórias de bruxaria no futebol português, com banhos de madrugada nas ondas alterosas de Espinho ou sapos enterrados no lugar onde a bola se transforma em golo, são coisas de meninos.

De um dia para o outro, como se já não bastasse o Bruxo de Fafe andar há anos a dizer que lhe pagam para o Benfica perder campeonatos – o que revela, no mínimo, pouca capacidade do personagem para intervir na área do sobrenatural, pelo que se pode ver pelos resultados –, a bruxaria surgiu no berro das manchetes dos jornais. Curiosamente com acusações vindas de elementos ligados ao FC Porto, acusando a direção do clube da Luz de tais práticas. E curiosamente porque, durante anos a fio, foram sempre os portistas a ter relações privilegiadas com figuras que se autointitulavam capazes de dominar poderes distantes da simples capacidade do cérebro do homem comum. Zandinga e Delane Vieira são os nomes que a memória faz disparar de imediato.

O recurso a um tal Armando Nhaga, general guineense, por parte do Benfica, tornou a figura presença diária na imprensa nacional. Publicidade não lhe tem faltado, ainda que não se conheçam os contornos da sua intervenção, liminarmente negada por Luís Filipe Vieira. Seja como for, tudo não passa de simples folclore. Há um preconceito lusitano muito próprio em relação à bruxaria que vem de centenas de anos inquisitoriais. E que se arreigou numa sociedade intimamente católica apostólica romana que se deixa enlevar por milagres e aparições.

Zandinga Lesagi Zandinga ficou conhecido por se apresentar na televisão, nos anos 80, a prever os acontecimentos para o ano que estava prestes a entrar. Matou papas e presidentes norte-americanos com uma facilidade extrema. Dizendo- -se parapsicólogo, tem um registo extraordinário de antevisões erradas. Com uma imagem copiada de Rasputine, o místico russo que encantou a corte da imperatriz Alexandra, envolveu-se no futebol, percebendo que tinha ali pasto para promover a sua charlatanice. “Fez tudo para me desconcentrar”, queixava-se o guarda-redes do FC Porto, Fonseca, num jogo frente ao Penafiel, no qual sofreu dois golos. Zandinga chamou a si a responsabilidade de ter feito uma série de buracos dentro da baliza em que as bolas entraram. Buracos mágicos, como está bem de ver. Que provocaram um empate surpreendente.

Viria, depois, a aproximar-se das Antas. José Maria Pedroto, ao início, embirrou com o personagem. Ficou célebre um episódio. Certo dia, Zandinga entrou no escritório do treinador e pediu-lhe uns bilhetes para um jogo próximo, importante, decisivo. Pedroto reclamou: que tinha lido umas previsões dele num jornal referindo que as coisas não correriam bem aos portistas, que os astros se alinhavam contra o clube das Antas. Recusou-lhe os bilhetes. Zandinga não teve dúvidas: no dia seguinte, desalinhou os astros. Fez uma previsão contrária, devidamente publicada. Foi ao jogo.

Delane Vieira, o homem que adivinhou, numa véspera de sol quente, que no dia seguinte nevaria em Tóquio, na Taça Intercontinental, não era modesto. Escreveu um livro com um título sugestivo: “O Que Eu Fiz Para Ajudar o FC Porto A Ganhar Tudo”. Vindo para Portugal nos anos 60, considerava-se um médium capaz de influenciar acontecimentos. Paulo Futre descreveu, recentemente, a admiração que o poder do homem lhe provocava. Não usava galinhas, mas usava moedinhas e fitinhas. Diz-se que esteve ligado ao Benfica e ao Boavista.

Das figuras ridículas do Professor Alexandrino, hipnotizador frustrado com direito a transmissão televisiva em direto da frustração, às historietas de um nunca mais acabar de bruxos e feiticeiros que vivem da credulidade alheia, o futebol em Portugal vai vogando numa espécie de anedotário no que ao esotérico respeita. O que está ainda por provar é que o sobrenatural marque golos e faça defesas. E ganhe campeonatos.