Tomar TV. Do sótão emprestado para o mundo

Começaram por editar vídeos no Magalhães dos irmãos mais velhos e gravam os noticiários num sótão emprestado. Mas foi da Tomar TV que saíram as primeiras imagens do incêndio que afetou o centro do país e que, além de passarem em todos os canais nacionais, foram já compradas pela Euronews, “The Guardian”e Russia TV

De repente tinham a SIC, a TVI, a RTP e a CMTV a passar os vídeos que tinham acabado de fazer. “Pedi à minha mãe para não ligar nenhum eletrodoméstico da casa, caso contrário as imagens que estavam a passar em direto podiam falhar”, conta Tomás Duran, um dos quatro fundadores da Tomar TV que, apesar de operar com estas características próprias do desenrascanço exigido a quem não tem todos os meios disponíveis, é, por isso mesmo, um caso raro de qualidade.

Começaram há quatro anos, quando ainda se viam obrigados a recorrer aos computadores Magalhães dos irmãos mais velhos para editar os vídeos. “Eram horas infinitas”, lembram. Mas fazia-se, assim como se continua a fazer, já não nesses pequenos computadores azuis, mas naqueles que conseguem comprar com o dinheiro que juntam. “No Natal, ninguém pede prendas aos pais. Preferimos juntar esse dinheiro para comprar câmaras e tripés”, contam.

É num sótão emprestado no centro de Tomar que penduraram com molas um pano verde que serve de fundo neutro aos programas que gravam em estúdio. Apesar de rudimentar, o trabalho é de profissional e, se dúvidas houvesse sobre isso, foram postas de lado com a cobertura feita aos incêndios que atingiram o centro do país. “Estávamos em Ferreira do Zêzere naquele sábado para fazer reportagem sobre uma peça de teatro que acabou cancelada por causa do fogo que se aproximava”, conta Tomás, que nesta conversa assume a posição de porta-voz de um grupo de mais de 60 colaboradores que, de forma voluntária, mantêm a Tomar TV em funcionamento.

Longe de pensar que estariam no epicentro de uma das maiores tragédias deste país, começaram a filmar, conseguindo assim aquelas que são as primeiras imagens do fogo. Foram contactados por todos os canais nacionais e não demoraram muito a ver os seus vídeos difundidos além do online, a única forma que atualmente usam para divulgar o trabalho do canal.

“Quando os outros canais chegaram, as estradas já estavam cortadas. No meio da tragédia, tivemos a sorte de lá estar”, refere Tomás que, apesar de usar a palavra “sorte”, não vai em falsas modéstias e lembra, por exemplo, que foram pioneiros em Portugal no uso de drone em televisão, muito antes de Pedrógão acontecer. 
O teste aconteceu na famosa Festa dos Tabuleiros da cidade. “Um amigo tinha comprado um e, como não tínhamos uma grua, pensámos que aquilo podia dar jeito.” Logo a seguir receberam uma chamada da Freemantle a perguntar que sistema era aquele e não demorou muito até ser usado com frequência nas gravações do programa “Fator X”.

A redação

O mais velho do grupo de fundadores tem 22 anos. Atualmente trabalha como jornalista no “ECO”, mas o primeiro passo que Flávio Nunes deu na área da comunicação foi no jardim de casa, quando decidiu construir uma antena com 30 metros para criar a sua própria rádio. Pelo caminho, em 2013 candidatou-se à Câmara Municipal de Tomar, com apenas 18 anos.

Mas Tomar deve ter mesmo uma espécie de bicho-carpinteiro para os sub-25 que, no fundo, só querem fazer mais pela cidade. “Sentíamos que tinha de partir de nós esse trabalho”, refere Tomás, que aos 15 anos deixou a escola e passou a fazer visitas frequentes à SIC. “Ia sempre cheio de ideias, acharam-me piada e comecei a trabalhar em produção.” Atualmente está no backstage dos programas da apresentadora Teresa Guilherme.
Mantêm assim o equilíbrio entre os trabalhos com impacto nacional e aqueles que querem fazer dedicados à cidade.

É por isso que, apesar de o número de seguidores ter aumentado com o fenómeno de Pedrógão, não deixam de fazer em Tomar o chamado jornalismo de proximidade. “Temos um programa dedicado à adoção dos animais, por exemplo. Ah, e fizemos um vídeo sobre um miúdo que precisava de uma cadeira de rodas e já soubemos que, graças à notícia, tudo ficou resolvido”, conta Tomás, orgulhoso. “Já que não recebemos dinheiro, fazemos por ganhar outras coisas”, acrescenta Diogo, encarregado da edição de vídeo.
Agora, e no seguimento desse trabalho, percorrem as aldeias mais isoladas para que, através do testemunho das vítimas dos incêndios, consigam fazer com que a ajuda chegue. “Temos visto que nem sempre acontece”, refere Rúben, lembrando o senhor de Coelheira cuja casa ficou 95% queimada e que, para já, só teve a visita de elementos da junta a oferecer água.

Obstáculos

Tomar tem quase 40 mil habitantes, dois jornais e duas estações de rádio. A Tomar TV não conta para as estatísticas num concelho em que “ou estás comigo ou estás contra mim”. “Como nos recusámos a fazer de boletim da autarquia, já tentaram boicotar-nos notícias e, claro, de apoio recebemos zero”, salienta Tomás. 

Mas também não é a perspetiva de um dia receberem um ordenado que move este grupo. “Queremos continuar a fazer o que fazemos e jogar com o facto de sermos uma redação muito jovem”, admite Tomás. Afinal, são eles a geração que não vê vídeos online com mais de três minutos, que não lê lençóis de texto e que quer ver um incêndio filmado com um drone. “No fundo, damos ao público aquilo que também nós gostávamos de receber”, acrescenta. E é por isso que nenhum deles se importa de perder fins de semana, recusar saídas à noite, fazer diretas para editar vídeos ou trabalhar num sótão onde estão mais de 40 graus, mas onde não podem guardar as câmaras com medo que uma eventual chuvada as estrague. “Dá muito mais pica fazer isto assim”, admite Diogo, “parece que estamos sempre em cenário de guerra.”