Supertaça. Dona Águia do outro lado do espelho…

Sendo um clube essencialmente vendedor, o Benfica fragiliza-se no início de cada época, e esta não é exceção. A questão é sempre a de se perceber se quem fica chega para ganhar as provas internas. O resto é uma inevitabilidade

Aveiro. Já não no bucolismo do velhinho Estádio Mário Duarte, ali no parque verdejante da cidade, local de namoricos ligeiros ou de amores impossíveis, e até mesmo das recusas intransigentes de núpcias reais de Santa Joana Princesa, mas no betão a perder a cor deste para o feioso municipal, muito, muito à Taveira, de lilases, amarelos e rosas a precisarem urgentemente de revitalização, com os insuportáveis odores de Cacia ali à beira, Benfica e Vitória de Guimarães abrem oficialmente a época disputando a Supertaça Cândido de Oliveira que, injustamente para o homenageado, se tornou uma espécie de joguinho meio a feijões que dá direito a um troféu que, de ano para ano, ou quase, muda de forma e de aspeto.

Não se despreze, obviamente a competição. Mas é sempre um facto à margem do competitivo que uma prova deve ter esta coisa de estarmos perante duas equipas que são uma espécie de frango dos estatísticos, ou seja, se uma ganhou duas provas e a outra nenhuma, manda a lei da inverdade dizer que estamos perante dois vencedores. E facto é facto e não merece discussão: se a Supertaça é para ser jogada entre o vencedor do campeonato e o vencedor da Taça de Portugal, que raio o Vitória de Guimarães, esse clube que tem um peso impressionante em termos de adeptos e simpatias, estará a fazer amanhã, pelas 20h45, em Aveiro? Não ganhou nem uma coisa nem outra. Limitou-se a ser bravo finalista da segunda.

Outra verdade insubstituível é a que pede jogos atrás de jogos, o quanto mais oficiais possível. E assim, lá vamos cantando e rindo, à moda dos meninos que usavam camisas verdes e fivelas com um S nos cintos, para a tal Supertaça que de super tem pouquíssimo.

Para compensar, curiosidade não faltará. Sobretudo por via de um Benfica a somar tropeções em barda nos jogos de preparação que andou fazendo até agora, para cá e para lá do retangulozinho nacional e preguiçoso, que até já valeram duas goleadas (1-5 e 2-5) deprimentes frente ao Young Boys de Berna e aos rapazes de Londres do Arsenal.

Rui Vitória costuma ser de uma fleuma capaz de provocar aneurismas aos que se lhe opõem, desvalorizando sempre o que se dispõe a desvalorizar e ignorando outro tanto, como se sentisse que são assuntos lá só dele que saberá resolver à sua maneira quando a hora chegar. Nesse aspeto, Pedro Martins não lhe fica grandemente atrás, todo ele ensimesmado e definitivamente nada atreito a excessos.

Sobre as vicissitudes que neste momento, na véspera de um jogo que, não estando obrigado a ganhar, poderá em caso de derrota atirar-lhe sobre os ombros mais uma carga de trabalhos absolutamente evitáveis e, seguramente, um regresso às desconfianças que pareciam definitivamente debeladas, só o treinador do Benfica poderá com franqueza falar. É de crer que tenha as suas reservas, mesmo que, com perdão do trocadilho, as reserve só para ele e seus acólitos.

Piorando Agora, pegar nos desaires encarnados nestes últimos encontros e transferi-los para uma espécie de tabela de logaritmos dos mais ou menos favoritos também não faz sentido, não senhores, e não vamos por aí. As saídas tornam a águia mais fraca? Sem dúvida! Aliás, é isso que tem acontecido todas as épocas mais recentes. Sai sempre gente com mais qualidade (e mais experiência) do que aquela que tomar o seu lugar – inevitabilidade de um mercado que pode andar a brincar aos 222 milhões de euros para aqui e aos 180 milhões de euros para ali, mas que não tem nada que ver com a nossa realidade pobrete e alegrete. Quando saíram Renato Sanches, Gaitán e Gonçalo Guedes, o Benfica ficou mais fraco, tal e qual ficou agora com a perda de Ederson, Lindelof e Nélson Semedo. Suficientemente mais fraco para se considerar ao alcance do Vitória? Também não entremos por aí. As nossas equipas mais fortes podem ir sofrendo retrocessos, mas esses retrocessos não se casam com a afirmação das nossas equipas menos fortes. Até porque, cada vez mais incapazes de entrar em liça com os ricos da Europa nas contratações, viram-se para dentro e vão, por sua vez, buscar os melhores dos que lhes ficam abaixo na tabela. É uma realidade que não parece ter resposta. É um espelho que não inverte a imagem de quem para ele olha. Quando muito, distorce um filme que começa a tornar-se demasiado repetitivo.

Ver-se-á, amanhã pela noite, quem consegue passar para o outro lado desse espelho.