Num daqueles curiosos exercícios em que buscamos um livro que teima em não se mostrar, mas aparecem todos os que não interessam, recuperei a edição de Grupos Económicos Portugueses (Estampa, 1973), da autoria de Maria Belmira Martins, escrito (ao que parece) por encomenda do Partido Comunista. O país andava agitado e uma obra daquelas estava fadada para circular a grande velocidade, para alegria dos mais acérrimos contestatários do regime, que viam ali a prova da concentração capitalista.
Viviam-se os tempos da ‘primavera marcelista’, em que a censura tolerava algumas ousadias, como foi o caso da edição ‘consentida’ do disco Os Vampiros, de José Afonso, com um refrão que não podia ser mais explícito: Eles comem tudo / Eles comem tudo / Eles comem tudo e não deixam nada.
Um ano depois veio a revolução por que ansiavam os sonhadores dos ‘amanhãs que cantam’, e logo o aparelho capitalista começou a ser desmantelado: ‘a terra a quem a trabalha’, ‘abaixo os latifundiários, os banqueiros e os capitalistas’, ocupação das terras e das empresas, saneamento dos ‘fascistas’, assim rotulados para justificar a purga.
Tarde demais se percebeu que, na implantação do caos, estava a raiz do plano urdido pelo PCP para evitar a realização das eleições livres prometidas pelo MFA. Tanto que, com a aproximação da data marcada para as eleições, a luta endureceu e os acontecimentos precipitaram-se: 11 de Março, nacionalização de empresas dos setores base da economia, ‘verão quente’ e, em outubro, o cerco à Constituinte, que foi a derradeira tentativa para paralisar os trabalhos da Assembleia.
Aprovada a Constituição – com o voto a contragosto do PCP, tornado inevitável – começou a fazer-se o apuramento dos resultados do desvario de dois anos de ‘feroz combate ao capitalismo’: a destruição do tecido industrial do país! Dois anos tinham bastado para reduzir a escombros todo o Grupo CUF (117 sociedades, 130.000 trabalhadores), e empresas do porte da Siderurgia, da Lisnave, da Setenave, da Sorefame, da Cometna ou da Mague. Nos arquivos dos jornais há fotografias que mostram Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves a discursarem nestas mesmas empresas, apelando à autogestão.
Atirados para o desemprego, metalúrgicos, metalomecânicos e químicos transformaram-se ora em camponeses das cooperativas agrícolas e das UCPs, ora em figurantes nas manifs, vestidos de metalúrgicos, de camponeses, de operários da construção civil ou, mesmo, de militares. Como por milagre, apareceram uns 30.000 SUV (‘soldados unidos venceremos’), com fardas surripiadas nos quartéis ou compradas na Feira da Ladra.
E o livro da Eng.ª Belmira? Esse, desapareceu de circulação! A ‘arma secreta’, preparada para mostrar os malefícios do capitalismo, exibia, afinal, os desmandos dos consulados comunistas. Era preciso erradicá-lo da face da Terra. Deste modo, os livros foram sendo comprados e destruídos, ou estarão a bom recato. Sem prova é mais difícil provar o crime.
Por acaso, alguém consegue um exemplar? Eu tenho o meu. Muito consultado, muito velhinho… é hoje uma peça rara. Não o empresto!