Geração i. A História moldou os millennials

Todas as gerações são marcadas pelo contexto social e histórico que as cria. Noutras edições da Geração i temos conhecido muitos dos interesses e características dos millennials. Mas quais serão os marcos históricos que moldaram esta geração?

Sempre que se fala em diferentes gerações, as generalizações devem ser cautelosas. A sociologia não é uma ciência exata e os millennials vieram dar um abanão em muitas das verdades anteriormente conhecidas. Se os jovens baby boomers ou Geração X tinham padrões de vida bem mais variados, ainda que se encontrem sempre semelhanças e focos de intersecção histórico-culturais, a verdade é que a globalização viu um planeta que parecia enorme, quase infinito, e espremeu-o até que se tornasse um berlinde que os millennials aprenderam a guardar no bolso. Os amigos e os namorados já não são os do bairro e já não é apenas sentados num café que se discute o futuro político e social do mundo ou a possível explicação do sentido da vida. Eles cruzam-se em viagens a toda hora, conhecem estranhos pela internet, partilham ideias, informação, e até os mitos urbanos ganham uma escala global.

Embora os millennials, tal como os jovens de todas as outras gerações, cresçam em contextos diferentes por todo o mundo, a facilidade de comunicação e partilha de informação fez deles uma geração de movimentos em massa. Os fóruns na internet como, por exemplo, os da plataforma Reddit, juntam jovens de todo o planeta que partilham o pior e o melhor do que os rodeia e expandem a dimensão informativa de um universo que é hoje bem fácil de contornar.

Assim, também alguns ideais e formas de estar se propagam entre eles. A sensação de ser urgente dar utilidade às suas capacidades e causar impacto no meio envolvente é-lhes muito mais gratificante do que um salário cheio de zeros. Mas há algumas teorias que explicam o porquê de este cenário social se ter desenvolvido desta forma. Em paralelo com os avós e alguns pais desta geração, os baby boomers, as crianças millennial, hoje jovens adultos, cresceram moldadas por vários marcos da história global.

Impactos da História

De 1985 até hoje foram vários os acontecimentos que marcaram a consciência política e social desta geração em relação à proteção ambiental. Podemos lembrar a “descoberta” do buraco do ozono em 1985 e o início concreto do movimento de consciencialização ecológica que daí adveio, com a Convenção de Viena e o Protocolo de Monterreal (1987 e 1989, respetivamente) até à assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997, tratado internacional que estipulou os primeiros compromissos rígidos globais para a redução de emissões que agravam o efeito de estufa.

É interessante lembrar que os primeiros millennials tinham apenas um ano de idade quando o mundo assistiu à trágica explosão do reator n.o 4 da central nuclear de Chernobyl, fazendo com que quantidades gigantescas de elementos radioativos contaminassem a atmosfera numa nuvem que chegou até à costa mediterrânea da Catalunha. Hoje são ativos nesta luta antinuclear organizações como os Friends of Earth e a Greenpeace.

Ainda em 1989 dá-se o primeiro passo para a revolução tecnológica que iria reprogramar e formatar o futuro destas crianças, não tivesse sido nesse ano que se assinou o Protocolo de Transferência Hipertexto, base para a comunicação de dados da World Wide Web, mundo que viria a abrir portas ao público em 1993.

Seguiram-se marcos que tanto os mais velhos quanto os mais novos millennials tiveram de estudar e relembrar vezes sem conta. Desde a queda do Muro de Berlim e tudo o que representou para as famílias dos que educaram esta geração, a 9 de novembro de 1989, e do fim definitivo da URSS, oficializado em dezembro de 1991 através da criação da Comunidade de Estados Independentes, até ao Genocídio de Ruanda, em que mais de 500 mil pessoas foram massacradas, no ano de 1994, e ao escândalo do financiamento do mesmo por entidades internacionais.

Aos cinco anos de idade, em 1990, os primeiros desta geração ouviram falar da desintegração da Jugoslávia, da Guerra do Kosovo, da Bósnia e de todos os países que conquistaram a partir desses anos a independência, tais como a Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedónia, Sérvia, Eslovénia, Kosovo e Montenegro, países que hoje são considerados pontos de atração e curiosidade desta geração que viaja como nenhuma outra.

11 de Setembro e o despertar da consciência

Em 2016, o Pew Research Center, centro de investigação estatístico dos Estados Unidos da América que estuda essencialmente impactos políticos na sociedade norte-americana, de-senvolveu um estudo para determinar quais eram os dez momentos históricos que marcaram a memória dos seus cidadãos.

Na análise “Eventos da História Moderna por Geração”, o 11 de Setembro de 2001 é comum ao topo da tabela dos eventos que mais marcaram a vida dos 2025 adultos inquiridos – 76%.

No entanto, a percentagem de inquiridos que escolheu o 11 de Setembro como evento mais marcante vai descendo de geração para geração. No caso dos millennials foram 86% os que responderam que este foi o evento que mais marcou as suas vidas. Na Geração X, os nascidos entre as décadas de 60 e 90, foram 79%, nos nascidos entre as décadas de 40 e 60, os conhecidos baby boomers, foram 70% os que definiram este evento como o mais marcante, e no caso da Geração Silenciosa, os nascidos entre 1925 e 1942, já só 59% dos inquiridos concordaram com esta escolha.

Mas o 11 de Setembro de 2011 não marcou apenas os millennials norte-americanos. Foi no mundo todo que as então crianças e adolescentes presenciaram, muitos deles em direto pela televisão, o acontecimento histórico que mudaria o rumo da política internacional, com repercussões até aos dias de hoje.

É o caso de Cláudia, de 28 anos, que afirma sem qualquer dúvida que foi o 11 de Setembro que mais marcou o seu crescimento. Nasceu em 1989, nove meses antes da queda do Muro de Berlim. Cresceu no mundo pós-Guerra Fria, relembra as gravações em VHS dos primeiros desenhos animados do Rato Mickey a preto e branco na televisão lá de casa, interrompidas com imagens da Guerra Fria que, na altura, “não entendia muito bem o que significava”, e só muito depois é que se apercebeu de ter crescido “num contexto de Europa dividida”.

Estava na cozinha, lembra-se “perfeitamente de ser hora de almoço” e estar à espera da mãe. Tinha 12 anos e estava a ver televisão quando, de repente, a emissão foi interrompida e ainda apanhou as imagens do embate de um avião numa das Torres Gémeas. Era 11 de Setembro de 2001 e só mais tarde se apercebeu que estava a assistir a um ataque terrorista. “Mudou para sempre a minha perceção do mundo. Nós já tínhamos ouvido falar do terrorismo da ETA nos anos 90, mas nada se comparava a isto”, conta. O panorama que se desenhou a seguir aos ataques terroristas levantou-lhe logo muitas questões. “Surgiu ali uma interpretação muito maniqueísta, uma visão binária do mundo. Cresceu uma onda de islamofobia, uma conceção do mundo dividido a preto e branco: éramos nós e eles, e eu nunca fui de acreditar facilmente nas coisas que me diziam.” Cláudia acha que, até hoje, a forma como tudo a afetou e a vontade que nasceu dali de procurar mais informação e conhecer o outro lado da verdade delinearam a carreira profissional que mais tarde escolheu. “Se eu não tivesse assistido a isto, acho que não tinha tido a oportunidade de desen-volver uma consciência política tão forte, talvez me tivesse interessado por outras coisas”, explica Cláudia que, aos 20 anos, depois de ter decidido aprender árabe, se fez à estrada para o Médio Oriente de mochila às costas, para “ver com os próprios olhos quem eram ‘eles’, quem éramos ‘nós’.”

A jornalista, que hoje tem já um percurso extenso na profissão, garante: “Naquela altura em que a cabeça e opiniões se estão a formar, as circunstâncias fizeram com que eu tivesse, muito cedo, uma vontade muito forte de querer perceber e de fazer alguma coisa pela verdade. Acho que todos nós, quando decidimos ser jornalistas, somos movidos por uma vontade ingénua mas forte de querer mudar o mundo. A minha, sem dúvida, veio daí.”

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