Álvaro Covões. “Os meus verões eram na Praia da Mata na Costa da Caparica com os amigos”

Quando Álvaro Covões atende o telefone, está fora de Lisboa mas agarrado às comunicações a responder a emails e chamadas. “Estou a preparar 2018 e 2019”, diz-nos. É assim o verão à sombra do homem forte da Everything Is New, a empresa que produz o NOS Alive

Teve algum verão azul?
Quando se é novo, os verões são sempre azuis. Os meus eram na Praia da Mata na Costa da Caparica com os amigos. Lembro-me de dias quentes e noites frias. Os namoros, as primeiras experiências. Isto foi no pós-25 de Abril.

Qual era a banda sonora?

Lembro-me do “Chico Fininho” do Rui Veloso, no verão de 1979 ou 1980. Recordo-me de ser algo revolucionário. Houve um boom de música portuguesa nessa altura. 

O boom do rock português. 

Sim, mas eu ainda vi os Tantra ao vivo! Sou um privilegiado porque nasci num caldeirão. Qual foi o meu primeiro concerto? Não sei, era bebé [a família de Álvaro Covões é proprietária do Coliseu dos Recreios]. Também me recordo de ver os GNR e os Heróis do Mar no Rock Rendez-Vous. 

Lembra-se de tomar consciência do mundo do espetáculo?

Em miúdo, lembro-me melhor do circo. Especialmente do Circo de Moscovo que vi com oito anos. Era muito arrojado e inovador. Tinha imenso ritmo. O Coliseu levou depois essa produção ao Palácio de Cristal [Porto]. O domador era fabuloso. Chamava-se Angel Cristo e casou com uma atriz. Depois meteu-se no jogo e desgraçou-se. 

Com onze anos como viveu o 25 de Abril?

Foi uma mudança. Fala-se sempre do lado bom mas houve um lado mau. A economia foi destruída. Leite só havia em pó, a carne era racionada. Tive amigos do pai que ficaram sem nada. Lembro-me de pessoas simples que voltaram sem nada de uma terra feliz como era África. Ficaram-me os dois lados. Sou de uma geração a quem diziam para estudar para não ir à guerra. Eram outros tempos.

Fez o serviço militar?

Com 25 anos, cumpri 15 meses. Não sou político. Há políticos que não fizeram o tempo obrigatório. À esquerda e à direita. [O serviço militar] era o maior anacronismo! As pessoas andavam a estudar para depois irem para a tropa…

Tirou algo de positivo dessa experiência?

Tira-se sempre. Ganha-se um espírito único de camaradagem. Éramos 30 pessoas que caíram ali. Quando és obrigado a trabalhar, o espírito de equipa é fortalecido. 

Guardou amizades?

Várias. Tenho um amigo que foi administrador do Continente e agora é da Worten. Outro é administrador da Caixa Geral de Depósitos. Também havia o Luís Rodrigues que foi da Media Capital e do Sapo. 

E depois da tropa produz um espetáculo da Amália Rodrigues no Coliseu dos Recreios. 

É antes. Eu vou à tropa em 1989. Esse espetáculo é em 1987. Lembro-me perfeitamente desse dia. Era 3 de Abril e chovia torrencialmente. Eu tinha um exame e depois tinha que ir a correr para o Coliseu (ri). 

Profissionaliza-se no mercado de capitais. 

Sim, era dealer. Quando me perguntavam o que fazia, respondia: “sou dealer (pausa). Money market dealer (gargalhada)”. E os gajos ficavam: “se calhar é melhor não dizer nada” (ri novamente). Não há que ter medo de o dizer. Era o auge dos yuppies. Eu era yuppie. Ganhávamos salários inacreditáveis mas também dávamos muito a ganhar. 

O “Lobo de Wall Street” com Leonardo Di Caprio retrata essa realidade? 

Não. Vamos lá a ver, o dinheiro é dos países, as ações das empresas. Quando estava na sala do Mercado de Capitais houve três ataques: ao escudo, à libra inglesa e à irlandesa. E resistimos.

Sendo bem sucedido nessa área, o que faz decidir pela indústria do espetáculo, além do gene familiar?

As pessoas são diferentes. Uns nascem para ser empreendedores, outros para serem trabalhadores por conta de outrem. A minha vocação sempre foi ser empresário. A Música no Coração começa em 91, o primeiro Super Bock Super Rock foi em 95, o Vilar de Mouros em 96 e o primeiro Sudoeste em 97. Há formas de funcionar parecidas. Eu já era o “dealer dos contactos”. Os mercados também são assim. Também funcionam as amizades. Voltando à questão, houve um banco inglês que faliu em Singapura por esconder perdas. E aí os bancos perceberam que não nos controlavam. Resultado: perdas extraordinárias. É o que estamos a ver hoje. 

Sentiu que havia uma oportunidade de negócio na música ao vivo?

Eu vi este país definhar. Fruto do isolamento, Portugal produzia tudo. Até armas. Só não tinha energia. Durante anos não tivemos inflação. Isso só começa, se não me engano, no tempo do Marcelo Caetano. Portugal é um pais fantástico para passar férias. De Norte a Sul é possível fazê-lo. Estava na cara que era uma grande oportunidade. Dar-lhe conteúdos, cultura, espetáculo… foi o meu caminho e é isto que me dá gozo. 

Enquanto promotor, dá-lhe mais gozo trazer uma banda que arraste muito público ou de que goste especialmente enquanto ouvinte?

Tenho duas respostas. Profissionalmente, não me posso levar pelo coração senão vai dar merda. Quando trazemos uma banda, não sabemos como pode correr mas há uma previsão. Como num jogo de futebol. O que me dá gozo é saber que temos razão. É uma questão de missão. Quando um concerto esgota, dá muita satisfação. Se anunciarmos os U2 no Coliseu já sabemos que esgota em um minuto mas esses são os fáceis. Temos muita concorrência por isso é que o trabalho de criação de públicos e promoção é fundamental. 

As novas métricas de Internet ajudam nesse calculo de probabilidades?

As vendas de discos eram um bom barómetro. As métricas de hoje são globais. e, por isso, mais difíceis. Não temos muito acesso a informação local. Agora, se uma música é ouvida 400 milhões de vezes tem público interessado. É preciso é ter cuidado com fenómenos novos como criar robôs para gerar números.

Durante os três dias do NOS Alive consegue viver o festival?

Este ano não vi um único concerto! É tão grande e há tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo que ando sempre de um lado para o outro. Gosto de sentir as pessoas. É estranho porque depois vejo as fotografias e reparo que não vi nada. Tenho um hábito de ir com uma pessoa da contabilidade da empresa viver os últimos 15 minutos do Palco Heineken.

Vai a outros festivais?

Já fui. Por exemplo, a Reading. Deveria ir mais. Agora, o tempo é que é cada vez mais curto. Antigamente, havia cinco ou seis espetáculos. Uma pessoa desligava…

Consegue despir a camisola?

Sim… no fim do dia o olhar é sempre profissional, por muito que não se queira.

É viciado no trabalho?

Gosto do que faço, não consigo desligar. Isto complicou-se com o telemóvel e o WhatsApp. Dantes, respondia a um fax no dia seguinte. Ou tinha uma mensagem no telemóvel. 

Vê sempre o email antes de se deitar?
Às vezes não, é preciso instinto de sobrevivência. Parar o corpo e a cabeça. É complicado. Já me aconteceu de manhã ter visto um email que devia ter respondido à noite.

Um email de tirar o sono?

Não, só se houver algum problema. Uma vez ligaram-me às 5 da manhã, aliás à 1, a dizer que um dos músicos da banda tinha tido um problema e estava a caminho do hospital. Disseram-me que talvez não houvesse concerto. Acabou por tocar de óculos. 

Quem é que ainda não trouxe e quer trazer? 
Isso é dar informação à concorrência. Já trouxemos quase toda a gente. Ninguém se preocupa quantos filmes já fez o Tom Cruise. A preocupação é trazer bons artistas com bons trabalhos.

O Tom Waits nunca veio a Portugal. 

Penso que não. Era interessante, claro.

E a Sade. 

Toda a gente já tentou trazer a Sade a Portugal. Penso que na última digressão ela não veio porque não tinham datas. Esse é um dos problemas. Os artistas fazem digressões de 30 datas na Europa. Dessas, quantas são maiores que Lisboa e Porto? E quantas vezes, os artistas acabam mesmo por vir cá?

Muitas.

É um orgulho estar sempre a ver Lisboa no mapa. Isso traz pessoas a Portugal. Tem de trazer. Foi isso que nós vimos [o NOS Alive fez uma forte aposta no mercado internacional e recebe anualmente mais de 20 mil estrangeiros]. 

Ter de cancelar o concerto dos Arcade Fire no antigo Pavilhão Atlântico devido à cimeira da NATO foi o momento mais triste da carreira como promotor?

Às vezes não vivemos em democracia plena. Esse é nitidamente um caso em que o estado abusou do poder. O concerto estava anunciado, os bilhetes à venda e foram cometidas ilegalidades. Por exemplo, enganaram os restaurantes do Parque das Nações quando lhes disseram que iam receber pessoas quando havia catering lá dentro. E é irónico como é que se pode alegar questões de segurança quando um dos chefes de Estado era o Khadafi… Obrigaram a Parque Expo a rasgar o contrato comigo. Após estes anos todos [foi em Novembro de 2010], acho que houve uma precipitação das autoridades. As duas coisas podiam ter convivido. Sinceramente, não gostei do que se passou. E acho que foi mau para todos. Acho até que aquilo era o sítio errado para a Cimeira. Num sítio com três mil janelas, como é que se garante a segurança?