LCD Soundsystem. América permitida

No início de século, não havia lugar para o sonho de James Murphy. Depois, a corrente virou e o líder dos LCD Soundsystem estava do lado certo. “American Dream” parte de onde ficara em 2011

Nos anos 90, James Murphy era mais um entre tantos outros aspirantes a fazer da brincadeira ofício. Engenheiro de som da banda de art-punk de Detroit, Dungbeetle, conheceu Tim Goldsworthy, parte dos Unkle e DJ regular do circuito noturno global da época, que vivera a cena rave londrina por dentro, numa viagem deste a Nova Iorque para produzir um álbum do perito em bandas sonoras David Holmes, conhecido, por exemplo, pela música da trilogia “Ocean’s Eleven”, “Ocean’s Twelve” e “Ocean’s Thirteen”.

Murphy já disputava o estatuto de enciclopédia musical mas ainda não sabia que gostava de música de dança. Quando o “indie” ainda não era um código musical, reconhecia-se na pós-tribo dos alternativos. Prova disso: a relação de cumplicidade com os Six Finger Satellite, banda editava pela Sub Pop, casa-mãe da nata de Seattle dos Nirvana aos Soundgarden e Screaming Trees.

O futuro patrono da DFA, acrónimo de Death From Above, que usara desde as primeiras noites como DJ em 1993, estava frustrado com a cena nova-iorqunia pré-11 de setembro. A esmagadora população mundial de primeiro mundo sentiu-se ameaçada por um conflito armado entre o Ocidente e o Médio-Oriente. O acontecimento deixou traumas e não apenas a milhões de novaiorquinos, mas serviu também de pretexto para o contra-golpe involuntário dos Strokes.

“Well, kill me now, I let you down/I swear one day we’re gonna leave this town/Stop/Yes I’m leavin’ /Cause it just won’t work/They act like Romans/(But they dress like Turks/Sometime, in your prime/See me, I like the summertime”, prenunciavam em “New York City Cops”. Para o bem e para o mal, o momento não poderia ser mais oportuno. “Is This It”, o álbum rock mais influente da década, chegaria duas semanas depois do 11 de setembro, mas já estava gravado desde o verão – quando o atentado derrubou as Torres Gémeas, já o primeiro single “Hard To Explain” dava que falar.

Em poucos meses, a banda sonora da vida de James Murphy era música de clubes noturnos. Talking Heads, Gang of Four, B52’s e Ramones já não eram só punk. Também eram música de dança hedonista e ideal para quem procurava um lugar no mundo e não o encontrara nas cinzas de morte de Cobain.

Murphy e Goldsworthy fundaram a DFA com Jonathan Galkin em 2001. Primeiras edições: The Rapture e The Juan MacLean, a banda de John MacLean com quem iniciara uma amizade nos Six Finger Satellite.

Quando os The Rapture cuspiram na primeira mão a alimentá-los e cederam ao chamamento de uma editora multinacional, James Murphy não perdeu tempo a reagir. Nasciam os LCD Soundsystem, “coletivo” de liderança hegemónica do patrono da editora. Se anos antes, Murphy podia ser o tipo no bar a quem ninguém ligava à espera da última cerveja para ir para casa, ou o DJ a passar música rejeitada em grupos de pertença “cool”, agora era o rei da festa. Dono de uma coleção invejável de discos, personificava o melómano aculturado capaz de pôr em prática todo o saber acumulado em horas e horas de audição.

O som DFA era sexy. Dos N.E.R.D. aos Gorillaz, Chemical Brothers e M.I.A., toda a gente lhes pedia remisturas. E os LCD Soundsystem davam personalidade própria a essa apropriação.

Em 2010, Murphy anunciou que “This Is Happening” seria o álbum da despedida dos LCD Soundsystem. A brincadeira ficara séria, as digressões consumiam toda a energia, o tempo disponível para gerir os destinos da DFA era cada vez menor e o gozo equivalente. Um ano depois, a banda despedia-se na catedral do Madison Square Garden. O puzzle do fim encaixava na perfeição mas talvez a história tenha sido diferente.

Em grande entrevista à Vulture, confessou que no concerto batizado de “Shut Up and Play The Hits”, o epílogo foi uma resposta à falta de confiança dos promotores na capacidade dos LCD Soundsystem em venderem 18 mil bilhetes (a mesma lotação do MEO Arena, por exemplo). “A minha teoria era que se fosse o último, vendíamos os bilhetes em duas semanas”. A sala acabou por esgotar, os Arcade Fire, para quem viria a produzir o aventureiro “Reflektor” em 2013 foram convidados e, no final, Murphy podia então passear o cão.

Aos 41 anos, sentia-se livre para ser aquilo que sempre fora. E isso incluiu produzir para os canadianos e os Yeah Yeah Yeahs, casar, realizar a curta “Little Duck”, personalizar um café no Starbucks, insonorizar o metro de Nova Iorque, assinar uma banda sonora, e desenvolver um sistema de som com os irmãos e velhos cúmplices David e Stephen Dewaele dos 2 Many DJs.

Sem surpresa, os LCD Soundsystem ressuscitaram. Primeiro em palco, regressando pela porta grande de Coachella.E agora no primeiro álbum em sete anos. “O melhor com que já me senti”, assumiu bem humorado nas redes sociais.

Ofertas milionários para se reunirem? Um contrato generoso entre a DFA e a Sony? Foi David Bowie a acender o rastilho do reencontro. “Passei algum tempo com ele e falou-me de fazer regressar a banda”. Murphy idolatavra Bowie e em 2013, remisturou “Love Is Lost” com a contribuição espiritual de Steve Reich. Os dois ficaram amigos e tinham planeado trabalhar juntos.

Murphy olha para esta como “uma fase completamente nova” na vida dos LCD Soundsystem mas as referências são intocáveis nas até agora desvendas “American Dream”, “Call The Police” e “Tonite”. David Bowie, Suicide, Talking Heads, acid house…Há vinte anos, Murphy queria pertencer. Agora não precisa de correr atrás dos ponteiros. O tempo joga a seu favor. E aos 47 anos, pode ser o que bem entender. Até o mesmo.