A Esquina do Mundo

A expressão é do escritor Ferreira de Castro, que a usou para referir o local onde se situava o café mais tradicional do Funchal, o Golden Gate: «Aquele ângulo do Funchal era, entre as esquinas do Mundo, dos mais dobrados pelo espírito cosmopolita do século».

Na era moderna, figurões e meros figurantes já não se juntam nas esquinas  para comentar o que se passa no mundo. São outros os interesses, bem mais complexas as razões e as esquinas dão, agora, pelo nome de pessoas que têm o condão de tudo atrair, factos ou atoardas, de abrir os noticiários e de alimentar a guerrilha nas redes sociais.

O filme é antigo e tem tido sucessivas reprises: um beirão, ou transmontano, desce a Lisboa e, se calha apossar-se do poder, toma-lhe o gosto e não mais o quer largar. Mesmo que tenha de fazer alianças com o Diabo, ou vender-lhe a alma, como fez Fausto.

Pouco importa se estamos no princípio do século passado e o homem calça botas, ou se chega 70 anos depois e veste Armani, o resultado é o mesmo: presunção de infalibilidade e recurso a todo o cardápio de violências para eliminar concorrentes e adversários.

Por muito bonitas que sejam as palavras da Constituição da República sobre Direitos, Liberdades e Garantias, o candidato a déspota tem uma só regra: domina ou destrói. Precisando: não hesitará em destruir tudo o que não se submeta ao arbítrio do seu poder e, para o conseguir, irá até aos limites, estejam eles nos curros da polícia política ou numa legião de jagunços que traficam nos jornais, caluniam nas redes sociais e ameaçam em telefonemas privados.

A mais falada das esquinas do Portugal século XXI é definida pelos eixos Sócrates/Santos Silva. No seu trajeto – secretário de Estado, ministro e primeiro-ministro – José Sócrates nunca tolerou oposições. Em S. Bento, esteve um vulcão que expelia lava arrasadora ou nuvens de fumo que escondiam o que não convinha ser visto.

A intimidade com o pior da Líbia e da Venezuela deslumbrou-o, a ponto de se ver na cadeira de um sultão do Norte de África, ou de um ditador da América do Sul. Felizmente, Portugal está na Europa, o regime assenta no voto popular e o homem foi apeado.

Afastado o escudo protetor da informação cozinhada pelos ‘spin doctors’, ficou a saber-se que esteve em todas as ‘esquinas’ da perdição: nos aterros da Cova da Beira e de Torres Vedras, no Freeport, no aeroporto ‘que tinha de ser na Ota’, na REN, na Oi, na ‘Ongoing, Dirceu & Ca.’, na CGD, no BCP, no BES…

Vasculham-se os papéis e saem operações Furacão, Face Oculta, Monte Branco, Marquês, Lavajato, que têm uma coisa em comum: o ‘inner circle’ do ex-primeiro-ministro. O homem que se anunciou como ‘animal feroz’ já não será a ‘esquina do mundo’, por onde tudo passava, mas converteu-se num buraco negro que tudo atrai.

Os processos seguem o seu lentíssimo curso e oxalá não venham a desaguar em algum rio subterrâneo que lhes dê sumiço. Anseia-se pelo início dos julgamentos. Com diferentes graus de fé, são muitos os que rezam para que as provas cheguem aos tribunais e iluminem os julgadores.