Winnie Wong. “Temos um supremacista branco na Casa Branca”

Co-organizadora do Occupy Wall Street e da campanha digital People for Bernie, de apoio a Bernie Sanders, a ativista norte-americana defende que os “movimentos sociais devem manifestar-se e fazer-se ouvir” para conseguirem resistir ao governo de Donald Trump

Winnie Wong não tem dúvidas que Donald Trump é “claramente um supremacista branco” e alguém que “foi criado numa casa que defendia a supremacia branca dos descendentes europeus”, não tivesse sido “o seu pai simpatizante do KKK”. A cofundadora da campanha digital People for Bernie de apoio a Bernie Sanders, o candidato que desafiou Hillary Clinton no Partido Democrata dos Estados Unidos, não tem dúvida que esta administração está a “alimentar esta ideologia por toda a América” porque “temos um supremacista na Casa Branca”.

“Os eleitores de Trump normalizaram a sua narrativa”, que “inclui a deportação de imigrantes e a identificação automática dos muçulmanos com o Estado Islâmico”. Esta situação é “extremamente perigosa”, alertou Wong, coorganizados do Occupy Wall Street e autora da hashtag #feelthebern, numa conversa com o jornal i à margem do Fórum Socialismo 2017, organizado pelo Bloco de Esquerda, e onde foi uma das convidadas.

A administração Trump tem vindo a tomar decisões polémicas tanto na política interna como na externa. Para Wong o governo dos EUA “é um exemplo perfeito do capitalismo tardio, que é quando capitalistas do desastre e oligarcas entram nos próprios gabinetes governativos”. Estes “capitalistas do desastre que capitalizam com a morte estão a ir atrás de tudo o que os comuns trabalhadores norte-americanos e de outros países possuem para enriquecerem ainda mais o 1%”, afirmou. E prosseguiu com um exemplo, entre muitos, que considera elucidativo: “Rex Tillerson, secretário de Estado, tem o poder de autorizar ou começar guerras e foi o anterior CEO da Exxonmobil [a maior empresa petrolífera do mundo]. Ele passou a sua carreira a dizimar as terras africanas para tirar todo o petróleo e agora pode fazer guerras para ir buscar este recurso”.

Apesar do tom crítico, a estratega política distancia-se das “muitas pessoas que estão à espera que Trump seja alvo de impeachment” ou que “se demita”. Não lhe parecendo que esses cenários venham a concretizar-se, está mais convencida de um terceiro cenário, que não lhe agrada, mas lhe parece mais plausível, “o de Trump poder cumprir o mandato na totalidade” por ser “um homem orgulhoso” e que “fará de tudo para o cumprir”. Uma ideia que a preocupa, porque “em três anos e meio Trump pode fazer muitos estragos”.

#feelthebern

A campanha de Bernie Sanders representou um fenómeno marcante na política norte-americana. Wong foi impulsionadora da campanha digital People for Bernie que nasceu quando “um coletivo de ativistas que se conheceram durante o Occupy Wall Street decidiu” apoiar a candidatura do senador do Vermont à nomeação presidencial pelos democratas “ainda antes de [o próprio] a ter anunciado” em Abril de 2015. O coletivo viu “o potencial das campanhas online para transformar a narrativa por todo o país” e para “normalizar a esquerda e o socialismo na América”, uma das conquistas do movimento de Sanders. Antes da campanha “qualquer pessoa que se atrevesse a usar a palavra ‘socialismo’ era imediatamente conotada de comunista e estalinista”, explicou. Segundo a ativista, conseguiram “mais de cinco milhões de perfis de Facebook”, uma “vitória para qualquer campanha que pretenda combater a hegemonia dos 1%”, assegura e que “excedeu as suas expectativas”.

A conclusão óbvia, que se retira deste panorama, diz-nos a ativista, é que “existe a possibilidade de se transformar a situação política”, recusando o conformismo e o statu quo. Não se fica pela análise da situação e avança qual deve ser a estratégia das forças de esquerda nestes tempos de resistência na era Trump. “Os movimentos devem continuar a organizar manifestações e fazer-se ouvir, para além de ter de existir igualmente uma estratégia eleitoral, como a que os Democratic Socialists of America [DSA] e a Our Revolution, organização legado do movimento de Sanders, têm feito” para se disputarem as eleições para o senado em 2018 e os cargos executivos em várias cidades e Estados norte-americanos.

“Estamos a criar um movimento socialista” que “ganha força a cada minuto que passa”, assegura. As reivindicações do movimento são as necessárias para se ter uma vida minimamente digna nos Estados Unidos. “Salário mínimo de 15$/hora [12€/hora]”, “um sistema de saúde e de educação para todos e não apenas para alguns”, “reforma da justiça criminal”, o fim da “violência policial contra os negros” e os “direitos das mulheres, quer económicos quer de género”, explicou. Acrescenta ainda que estas reivindicações tiveram eco em “milhares de jovens” que não podiam votar nas últimas eleições presidenciais, mas em 2020 a situação será diferente com a possibilidade de haver “99 milhões de millenials” com direito a voto nos EUA. No futuro constituirão um “significativo bloco de eleitores” para as ideias progressistas.

Se durante as campanhas presidenciais as redes sociais foram um palco de disputa política, nos dias que correm tornaram-se ainda mais importantes, segundo a ativista, que perspetiva uma “guerra de narrativas nas redes sociais entre o neofascismo e o populismo de esquerda” e que “tudo no meio vai flutuar” por apenas existirem “duas bolhas de filtragem”: a “de Trump e a de Bernie Sanders”.

Um partido dos 1%

Para Wong, o Partido Democrata “é uma carapaça”, “um partido que se encontra fossilizado e controlado pelos burocratas de carreira do Estado corporativo”. A ativista não esquece a oposição que uma certa ala democrata fez à candidatura de Sanders, manipulando o “sistema contra ele” e “impedindo-o de ganhar as eleições primárias”. Tudo para a cúpula do partido “escolher uma terrível candidata [Hillary Clinton]” que “não se baseou em assuntos ou ideias” e que “ignorou a classe trabalhadora norte-americana para se focar nos estados azuis liberais onde se encontrava o dinheiro”. Nem “as mulheres brancas, feministas liberais, votaram em Hillary”, preferindo, algumas, votar em Trump, “um homem que tinha violado uma mulher e com múltiplos relatos de assédio sexual”, remata.

“Bernie teria ganho a Trump”, afirma sem hesitações. Na sua perspetiva, a liderança do partido continua a “receber instruções de consultores, advogados e lobistas que estão em conluio com o Estado corporativo”. Quem está errado “não é Bernie ou os eleitores, mas o partido”, que continua sem perceber “como a internet funciona e como o Capital se descentralizou”. Na opinião da militante a “ação de persuasão política mudou” com a forma como “a informação é acedida, partilhada e criada” com as redes sociais.

Quem é Winnie Wong?

É uma ativista política e foi coorganizadora do movimento Occupy Wall Street, em 2008, e responsável e cofundadora da campanha digital People for Bernie. É a autora da #feelthebern.