O ódio a Cavaco Silva, explicado

Não se poderá entender Pedro Passos Coelho sem se perceber Aníbal Cavaco Silva. São espelhos do mesmo rosto com reflexos de destino distinto. A reação da esquerda ao reaparecimento de Cavaco Silva veio envolta num ódio que estamos acostumados a ver em torno de Passos Coelho, ainda que o primeiro mais estrutural que o segundo.…

Não se poderá entender Pedro Passos Coelho sem se perceber Aníbal Cavaco Silva. São espelhos do mesmo rosto com reflexos de destino distinto.

A reação da esquerda ao reaparecimento de Cavaco Silva veio envolta num ódio que estamos acostumados a ver em torno de Passos Coelho, ainda que o primeiro mais estrutural que o segundo. Assim como Passos previamente catalogou o programa de Alexis Tsipras como um «conto de crianças» há dois anos, Cavaco citou uma confissão do líder do Syriza na universidade de verão da JSD. «Na entrevista que deu ao jornal britânico The Guardian, diz ele: ‘Eu tinha cometido muitos erros, eu tinha mentido aos gregos’. E sobre a saída do euro, ele disse: ‘Sair do euro? E ir para onde? Para outra galáxia?’». 

A conferência sublinhava a ‘realidade acabar sempre por derrotar a ideologia’. O exemplo de Tsipras é inegável porque era o próprio Tsipras a falar, não Cavaco. As reações à conferência, de «morto-vivo» a «múmia», incluíram até  análises aos gostos literários do antigo Presidente da República e comparações a José Sócrates (!). 

Há, naturalmente, uma razão para a verborreia. Além da dor que foi ver o ‘filho do senhor Teodoro’ conseguir a legitimação eleitoral que a esquerda nunca conseguiu – e hoje não consegue, necessitando de ‘geringonças’ – a esquerda insulta Cavaco Silva porque não consegue contra-argumentar o que Cavaco Silva diz.

Não há verdade maior que os governos que prometem que não serão «necessárias mais medidas de austeridade para reduzir o défice» acabam a «conformar-se com as regras europeias de disciplina orçamental». Na ‘Grécia’, em ‘França’ e em Portugal, se a carapuça serve. 

A ironia de tantos autoproclamados ‘democratas’ tentarem diminuir o homem que representa mais votos na história da democracia portuguesa não é nova. 

Do ponto de vista mediático, é muito interessante constatar que a gestão da informação e da relação com a imprensa que mantêm é escrupulosamente idêntica: Cavaco não telefonava a jornalistas, Passos não telefona a jornalistas, Cavaco raramente perdia tempo a desmentir notícias, Passos escassíssimas vezes o faz. Ambos sabem que se desmentissem tudo o que é mentira, se saberia o que é verdade no dia em que não desmentissem. E essa indiferença a quem acha que sabe – e não sabe – é a causa do tanto ódio que muita imprensa nutre pelos dois sociais-democratas. 

Do ponto de vista político, o reflexo inverte-se, não tanto pela personalidade mas pelas conjunturas. Cavaco governou depois de um resgate e passou anos a ouvir a esquerda falar na «austeridade patriótica» que Mário Soares havia feito em ’83. Passos governou durante outro resgate e passa a vida a falar à esquerda na austeridade – igualmente patriótica, diga-se – que teve que fazer. A sina contemporânea, nesse sentido, é mais azarenta que a do único homem que deu maiorias absolutas ao PSD. Desta vez, quem herdou um país a crescer foi o Partido Socialista. E António Costa, como Cavaco, também ruma à maioria absoluta. Tirando isso, é um mundo que os separa.