Iminente. Um festival que vai para além da arte e da música

O Iminente junta no mesmo espaço música e arte urbana – algo que alguns críticos já consideraram ser um “casamento perfeito”. O festival quer ajudar a democratizar a cultura, apresentando o que de melhor se faz no país

“Apresentar a nova arte e nova música portuguesas de uma forma acessível”. é É assim que Adilson de Auxiliador, cofundador do festival Iminente, ao lado de Vhils, define o principal objetivo do evento que decorre hoje e amanhã no Jardim Municipal de Oeiras, das duas da tarde às duas da manhã. Para Adilson, o evento é uma montra para “que os artistas apresentem o melhor que sabem fazer, que o público possa apreciar esse novo conceito artístico”. Perante a arte e a música crescentemente mercantilizadas, o Iminente pretende “democratizar a cultura” sem a mercantilizar, algo que parece um paradoxo, não o sendo. “Por vezes, quando vais na rua e vês uma parede pintada, olhas e dizes ‘este artista é tão bom que poderia estar numa galeria’, mas ao estar numa invalida que muitas pessoas tenham acesso a essa própria peça artística”, explicou.

Mas há uma intenção mais lata – o festival também pretende criar no jardim de Oeiras “um espólio que permaneça”. É o caso de uma pequena casa que antes da primeira edição do Iminente, em 2016, estava “a cair aos bocados, horrível e feia” e que os organizadores restauraram, ganhando “uma nova vida”. O jardim “estava mesmo a pedir uma transformação deste género”, que no final resultou no que alguns críticos já consideraram ser um “casamento perfeito” entre a arte e a música. Não apenas em Portugal, mas também além fronteiras.

Em finais de julho, o Iminente aterrou em Londres, uma das “cidades mais importantes em termos de arte urbana no mundo” que, mesmo assim, “não tinha um festival de arte urbana”. Para Adilson, o festival foi “muito positivo e é para acontecer outra vez”. E relacionando a edição de Londres com a que começa hoje, o cofundador explica que o de “Londres foi um bocadinho diferente”, mas que levou “um bocadinho da nova música e arte portuguesas lá para fora”. Na sua opinião, o público português que “está em Londres já não” é o mesmo de há “20 anos atrás”: é um público que aprecia novos estilos de música e de arte e sabe reconhecer o seu valor.

Em Londres, o festival teve iniciativas que podem dar azo a interpretações políticas, apesar de Adilson preferir “não politizar as coisas”, ao mesmo tempo que considera que essa energia pode “despertar uma consciência brutal”. Por exemplo, os visitantes tinham que trocar libras por euros furados – “tostões furados”, como Adilson lhes chamou – , para consumirem no recinto. “Quem entender que é uma chamada de atenção política que o faça, quem achar que é uma brincadeira furar o euro que o entenda”.

A edição deste fim de semana “não é em si política”, mas terá artistas que farão intervenções políticas na arte, como o MaisMenos. Na música, atente-se a Chullage, conhecido pelas suas músicas de intervenção contra o racismo e desigualdades sociais.

O Iminente é mais do que um simples festival com o intuito de lucrar, contrastando com tantos outros que todos os anos marcam a agenda de verão. Para além de juntar a música e a arte, o festival “é algo pensado para devolver e apoiar a sociedade” – 50% das receitas revertem para uma associação de cariz social e cultural – mesmo que tal não seja bandeira dos organizadores , que “não querem fazer alarido”.

Adilson afirma que o festival também tem um “significado social”, oferecendo arte e música e devolvendo parte das receitas da bilheteira à sociedade.

Na primeira edição do Iminente a receita reverteu a favor da Associação Batoto Yieto, que realiza trabalho na integração de crianças desfavorecidas através da música, cultura e dança africanas. “Estamos muito agradecidos” pelo donativo, o “maior que já recebemos de uma entidade privada”, disse um dos membros da direção da associação. “Nunca recebemos nenhum donativo de outro grande festival” e este é de “artistas para artistas”, confessou o mesmo membro. Este ano, a receita reverterá a favor de uma associação a ser decidida no final do evento pela organização.

O cartaz inclui nomes como Halloween, Capitão Fausto, Slow J, Orelha Negra, Regula, Carminho, Capicua, You Can’t Win, Charlie Brown ou Cachupa Psicadélica, entre outros. Na construção do cartaz e do line up, a organização pensou em nomes que “fizessem sentido” na desconstrução do estereótipo “do que é o fado, o rock, o hip hop, juntando-os a todos”. Deixar o público “meio confundido”, ao mesmo tempo que estimula o seu interesse.

A arte não ficou para trás. O Iminente conta com a curadoria de Vhils e da Undergods, para além da participação de artistas plásticos como Bordalo II, Felipe Pantone, Jorge Charrua, Kruella d’Enfer, entre outros e ao leme da produção está a UAU.

A verdade é que os três mil bilhetes diários já esgotaram para um festival que promete transformar Oeiras num concelho de música e arte urbana, não tivesse a Câmara Municipal apoiado o projeto com financiamento e concessão de espaço. Os artistas convidados também desempenharam um papel de primeira linha. A “muito boa vontade”e “esforço” dos artistas foi fundamental para que o evento se realize, explicou Adilson.

Esta pode ser uma festa que já saltou fronteiras e que, por cá, marca a agenda, mas a semente da ideia veio de um gesto do dia a dia. “Foi numa conversa de café. Apercebemo-nos de que podíamos apresentar algo de novo às pessoas que gostam de arte e de música”, e que “também podíamos apresentar algo de novo ao país”.

Para o futuro ficam traços precisos: “Queremos que o Iminente faça cada vez mais parte da vida das pessoas e não apenas em Oeiras,”, mas também “em Londres e provavelmente noutras cidades do mundo”. *Artigo editado por Mariana Madrinha