O dia em que a oposição acabou

A pergunta que mais me faz questionar o capital de razão que Passos ambiciona – o tal ‘I told you so’ – é se o eleitor não preferiria um resgate sorridente, de Marcelo e Costa, a um resgate novamente conduzido por Passos Coelho

Pode parecer paradoxal – e até incompreensível – mas a capacidade para fazer oposição ter acabado não significa obrigatoriamente que a oposição mude. A saída do ‘lixo’ e as negociações para o Orçamento do Estado do próximo ano vieram somente confirmá-lo.

Quando Pedro Passos Coelho veio acusar o Governo do Partido Socialista de estar a aplicar a mesma receita que ele havia aplicado – cumprir com as metas europeias e o bom comportamento orçamental – a oposição acabou. Nas jornadas parlamentares do PSD, o ex-primeiro-ministro disse mesmo: «A austeridade está lá toda». Não é mentira. Costa celebrar agências de rating e discutir Orçamentos com a redução da dívida e «o rigor nas contas públicas» como prioridade é a prova disso.

O problema, que esta coluna levantou à altura, foi que se o PS está a fazer não só o que Passos fez, como também o que Passos faria, é que Passos não o pode criticar. Repito: um partido não pode fazer oposição a si próprio. Se António Costa, como outrora Passos Coelho, está a apostar «nas exportações e no investimento estrangeiro», os sociais-democratas não têm oposição a fazer porque estariam a fazer exatamente a mesma coisa se fossem governo. E é por isso que até já se perguntam «então, para que servimos?», pois Passos nunca terá o álibi cultural (e sindical) da esquerda nem o apoio do Presidente da República (e da sua popularidade) que a ‘geringonça’ hoje tem.

O que matou eleitoralmente o centro-esquerda europeu foi o facto de o rigor orçamental não ser ideológico, mas senso comum, logo, difícil de contrariar ou proporcionar alternativa. A ‘pasokização’ da social-democracia tem a ver com isso e António Costa percebeu-o muito bem; a partir do momento em que cooptou o rigor orçamental da direita para o seu discurso, passou a ‘pasokização’ para o seu adversário. A excecionalidade da ‘geringonça está aí: ela prova que a austeridade não tem nada a ver com esquerda ou direita, porque todos a fazem, mas sim com o modo como está vendida. É a diferença, como Bruno Faria Lopes demonstrou, «entre orçamento e mensagem». Do ponto de vista eleitoral, o problema não é a política, mas a cara da política.

Tendo isso em conta, a pergunta que mais me faz questionar o capital de razão que Passos ambiciona – o tal ‘I told you so’ – é se o eleitor não preferiria um resgate sorridente, de Marcelo e Costa, a um resgate novamente conduzido por Passos Coelho. O ‘passismo’, por sua vez, responderia que não existe isso de «austeridade sorridente». Mas eu acho que existe. Desde que António Costa é primeiro-ministro.