Pedro Almodóvar. A intimidade na cozinha

Realizador fez 68 anos e inaugurou exposição com 70 fotografias em que mostra a intimidade através de relações criadas com a cozinha e os seus utensílios

Pedro Almodóvar, o cineasta, ator e desinquietador por disciplina, também pode ser Pedro Almodóvar, o não fotógrafo do popular bodegon espanhol, também conhecido como natureza morta – a arte de representar animais, flores e outros objetos caseiros naturais ou elaborados por mão humana num determinado espaço ou lugar.

Neste caso, a intimidade vista da cozinha numa exposição inaugurada na La Fresh Gallery de Madrid. “A cozinha da Espanha antipatriota”, titula o “El Español”. “A cozinha é um lugar muito íntimo. Não se pode mentir na cozinha. Gosto muito das cenas rodadas [na cozinha] e até dos anúncios de eletrodomésticos. Duas mulheres na cozinha dizem sempre a verdade, sem esquecer a casa de banho, onde parece haver ainda mais intimidade”, explica à “Vanity Fair”.

Isto é Almodóvar a ser Almodóvar, não a falar de mulheres, ou não fosse a sua cinematografia uma ode à mulher enquanto musa no centro do universo, mas da relação criada com a cozinha. “Quando comecei esta aventura percebi que estava a criar uma relação com tudo ao meu redor, e isso entusiasmou-me”, admite.

Esta aventura é uma exposição de alguém cuja especialidade é outra, embora a fotografia seja essencial para se compreender com os olhos aquilo que as histórias do realizador querem contar. “Usei luz natural porque, para começar, não sou fotógrafo. Coloquei muitos objetos à frente da câmara porque tenho muita experiência em saber usá-los e onde colocá–los, mas não sei nada de iluminação. Para imitar os clássicos, deixei que Deus iluminasse isto tudo e passei muitas horas na cozinha.” “Bodegones Almodóvar” tem 70 fotografias tiradas entre abril e julho, de milhares de um arquivo pessoal estimulante de fantasias.

“São objetos que fui comprando e muitos deles foram usados nos meus filmes. Muitos deles em ‘Kika’”, uma das obras centrais do percurso enquanto realizador, de 1993.

Para combater o “tédio da última Páscoa”, colocou uma flor dentro de um copo de vidro e “o tédio cedeu a uma inesperada emoção”. A confissão antitradicionalista do subversor. O despojo assumiu–o ao romper com os processos tradicionais de retrato de natureza morta e ao concentrar-se em cores, texturas e luz natural da cozinha. Sem pejo, usou o iPhone para se confundir com a realidade. Sentiu-se “paralisado e fascinado” com a técnica e os resultados. “Tentei imitar o lado pictórico de tudo isto, ao ponto de às vezes lhes chamar quadros, com toda a pretensão da minha parte”, assume à “Vanity Fair”.

“Estas fotos são parte da minha confidência caseira, sem dissimular nada. É tudo muito autobiográfico. É a minha casa, a minha cozinha, a janela que se abre para um pátio e a mesa onde trabalho”, revela.

Este domingo, Pedro Almodóvar fez 68 anos de uma vida em permanente movimento criativo que é também o espelho de uma geração desassossegada.