Manuais escolares. A luta entre o digital e o papel

O Presidente da República aprovou há um mês a lei que prevê a transição dos manuais escolares para o formato digital. O i foi ver como hoje se faz um livro tanto em formato papel como digital e conversou com professores e editores sobre o futuro

A gráfica já não é à antiga. Já não se vê um turbilhão de papéis a voar ou pelo chão e o cheiro a tinta já não mora ali.

A tecnologia é de ponta e os armazéns são gigantes: equivalem a um prédio de oito andares. E é lá que cerca de 22 milhões de livros aguardam para chegar às mãos de um aluno ou de um professor.

Em vez do som das roldanas há agora uma sinfonia de ritmos distintos das máquinas de onde saltam as folhas dos manuais escolares. Todos os dias, quando se começa a imprimir um manual escolar ou quando há uma pausa, ouve-se de cada impressora uma música diferente. É a melodia que revela aos trabalhadores que máquinas estão a funcionar.

Em poucos minutos nasce um manual escolar na gráfica da Porto Editora, na Maia, uma das maiores do país. Mas antes há todo um trabalho de largos meses, chegam a ser 18, de uma equipa de 20 a 30 pessoas, onde entram autores, editores, paginadores e fotografia, entre outros.

No total, a Porto Editora conta com uma equipa de cerca de 500 colaboradores que que escrevem, editam, desenham e planeiam os manuais escolares, que com o aproximar do arranque do ano letivo não têm mãos a medir. E mesmo com a tendência da transição dos manuais para o formato digital, o ritmo dos colaboradores envolvidos nos livros escolares em formato papel não deixa de ser frenético. Um cenário que dentro de poucos anos pode ser diferente.

O futuro dos manuais

Quão diferente será e quando é a questão. A promulgação da lei que permite a transição dos manuais escolares para o formato digital e uma petição contra o peso das mochilas, que deu entrada no parlamento em fevereiro, têm posto em cima da mesa a discussão sobre o formato dos livros escolares, num futuro próximo. Será que dentro de cinco anos os manuais em papel já terão desaparecido de vez? Tanto os editores como os professores, ouvidos pelo i, dizem que não.

Ainda assim, há mais de dez anos que os editores têm vindo a preparar o mercado do digital – a Porto Editora lançou em 2005 a Escola Virtual – e hoje são várias as ferramentas disponíveis para os alunos e para os professores. Os conteúdos digitais são preparados na sede da empresa, no Porto, e envolvem outro tipo de mão de obra: programadores, guionistas, editores de imagem e som.

Hoje em dia a equipa do digital já é chamada sempre que há um novo projeto em papel, para perceber o que poderia ser adaptado para visualização ou audição no PC, tablets e telemóveis.

Mas, por agora, a aposta é numa solução mais híbrida. Ou seja, num cenário a curto prazo, os manuais vão continuar em papel – sobretudo nas disciplinas da área das línguas e da filosofia – e terão estes conteúdos digitais de suporte.

A oferta tem vindo a alargar todos os anos mas tem sido sobretudo aproveitado pelos colégios. Neste ponto, a escola pública, que há dez anos não tem computadores novos ou um reforço na rede de internet, tem ficado para trás, embora tenha havido alguns projetos inovadores.

A generalização das ferramentas digitais como suporte das aulas é o cenário futuro apontado pelos professores e editores. Ainda assim, os custos poderão pôr algum travão: a produção de um manual digital hoje ainda é mais cara do que a de um livro em papel. Para produzir um manual digital é preciso uma equipa adicional de 20 pessoas e o processo pode levar um ano. No mínimo, um manual digital “custa entre 200 a 300 mil euros e pode ir até a um milhão 1,5 milhões de euros”, disse ao i Vasco Teixeira, administrador e diretor editorial da Porto Editora. Um manual em papel representa um custo que fica “entre os cem mil e os 300 mil euros”, explica.

Vantagens e desvantagens

No campo da aprendizagem, são várias as vantagens do digital, tanto para os alunos como para os professores. “Os quadros interativos e as projeções são um apoio fantástico”, porque “motivam mais os alunos e permitem, em tempo real, ter acesso a dados ou a estudos na internet e o professor tem acesso a material audiovisual de apoio”, diz ao i Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), que é também diretor do agrupamento de escolas General Serpa Pinto de Cinfães, onde recorrem aos conteúdos da Escola Virtual, desde 2005.

Também o diretor do agrupamento de escolas de Cuba, – onde o Ministério da Educação testou o uso total de manuais digitais em duas turmas do 7.º ao 9.º ano – aponta várias vantagens. Nos três anos em que testou o projeto ManEEle, Germano Bagão diz que os alunos ficaram “mais concentrados e mais motivados”.

E o balanço da experiência – que terminou no ano letivo 2015/2016 – foi de tal forma “positiva” que o diretor decidiu não parar com o recurso aos manuais digitais. Desde então que a escola contratualizou com a Porto Editora para ter acesso aos conteúdos da Escola Virtual e, no ano passado, decidiu avançar com uma nova experiência com os alunos do 5.º ano: a aula invertida. Um método muito utilizado nos Estados Unidos e que algumas escolas portuguesas já estão a testar. Durante a aula o professor esclarece dúvidas e promove o debate com os alunos sobre as matérias dos currículos e em casa, os estudantes, assistem a vídeos, gravados por um professor, a explicar exercícios ou a matéria que estão a estudar. Na escola da Cuba, foi “um sucesso”, disse ao i o diretor Germano Bagão.

No entanto, também parece haver algumas desvantagens. “Os alunos estão disponíveis para vídeos durante dois ou três minutos. Não conseguem estar concentrados em formato digital durante uma aula inteira. É um instrumento de apoio que não pode ser usado a tempo inteiro”, aponta Manuel Pereira.

Além disso, continua o professor, o uso do digital é também uma questão cultural. Os alunos, os pais e os professores estão habituados a trabalhar no papel e com manuais onde se possa mexer e dobrar” e por isso a “transição para p digital “não me parece que vá ser fácil”.

Questionado pelo i sobre o futuro dos manuais, o Ministério da Educação diz que a desmaterialização é uma medida “para levar a cabo a médio prazo” de forma a “tirar o melhor partido do que o digital tem” sendo “necessário avaliar capacidades de resposta e de condições físicas e materiais, como avaliar os equipamentos necessários e os custos envolvidos”.

A transição deverá prolongar-se assim no tempo, pelo menos no que diz respeito à escola pública.