Centenas de feridos na Catalunha, onde o referendo avança a meio gás contra a violência policial

O governo regional diz que 337 pessoas ficaram feridas pela ação das duas polícias nacionais em Espanha. Algumas estão em estado grave. Setenta por cento das urnas estão a funcionar, mas o voto é desordenado e não tem controlo.

Centenas de pessoas ficaram feridas este domingo na Catalunha em confrontos com a polícia, no momento de votarem no referendo independentista realizado contra as ordens dos tribunais e do governo de Madrid. Apesar da violência, o governo catalão argumenta que mais de 70% dos locais de voto estão em funcionamento.

As imagens de violência encheram as redes sociais e a imprensa internacional durante a manhã. Em muitas vêm-se agressões brutais e aparentemente não provocadas contra pessoas que estavam em filas para depositar um voto. Milhares de catalães comçaram a alinhar-se já de madrugada, por volta das 5h da manhã locais, enfileirando-se para alguns dos locais designados.

O governo regional catalão conseguiu contornar parte da ação da polícia. Barcelona causou surpresa ao noticiar de manhã que o referendo seria “universal”, o que permite aos eleitores votarem em qualquer urna, independentemente do seu local de residência. O governo do líder catalão Puigdemont disse que iria controlar os votos duplos através de um sistema informático que Madrid, horas depois, declarava eliminado.

A violência começou por volta das 9h da manhã locais, momento em que se deviam iniciar as votações. A Polícia Nacional e Guarda Civil agarraram pessoas nas filas, arrastaram-nas em muitos casos pelos chão e, noutros, atiraram homens, mulheres, jovens e idosos pelo ar, cotovelando, bastonando e carregando sobre pessoas desarmadas.

Em duas horas, a procuradoria-geral admitia 38 feridos e três deles em estado grave – uma pessoa foi atingida com uma bala de borracha no olho e estava a ser operada ao início da tarde. O jornal catalão “La Vanguardia”, porém, cedo começou a falar de “dezenas” de feridos e os vídeos que ainda não pararam de circular parecem sugerir isso mesmo.

Ao início da tarde, o governo regional catalão atirou o número de feridos para as centenas: 337 pessoas. “Neste momento, os últimos dados apontam para 337 pessoas feridas devido à violência policial do Estado, incluindo alguns em estado grave”, disse o porta-voz do governo catalão, Jordi Turull, citado pelo “Público”.

Onze agentes sofreram também ferimentos ligeiros – um grupo teve que fugir de uma multidão que lhe atirava pedras.

A procuradoria-geral espanhola e catalã ordenou durante a semana que os locais de voto estivessem interditados pelas 6h da manhã locais. 

As duas polícias nacionais vedaram de facto centenas de locais de voto no sábado, mas dezenas de edifícios continuvam ocupados por defensores do referendo na manhã deste domingo. Muitos foram despejados à força

Clamor internacional

As imagens de violência da polícia surtiam tal efeito esta manhã que vários políticos espanhóis contrários ao referendo, como o líder do PSOE na Catalunha, por exemplo, pediam publicamente às autoridades que parassem com as cargas. O governo espanhol, de resto, que sempre se preocupou com as cenas de violência na ação contra o referendo, vê-se agora numa posição difícil.

Apesar disso, a vice-presidente do governo espanhol, Soraya Sáenz, disse ao início da tarde que há um “responsável claríssimo” pela violência deste domingo e comparou o líder regional catalão a Francisco Franco. 

“No senhor Puigdemont, a democracia parece ser enorme”, afirmou aos jornalistas, em Madrid. “Há muito tempo livrámo-nos de uma ditadura em que um senhor nos dizia o que tínhamos que fazer.”

A frente internacional, no entanto, parece contrariar o governo de Mariano Rajoy – que este domingo se mantinha fora das câmaras. O primeiro-ministro belga, Charles Michel, escreveu no Twitter que “a violência nunca é a resposta” e disse “condenar todas as formas de violência” na Catalunha.

Também a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, uma independentista que já realizou em paz um referendo, em 2014, e está a preparar um outro, intercedeu pelas redes sociais: 

“Independentemente das perspetivas sobre a independência, devemos condenar as cenas a que assistimos e exigir a Espanha que mude de rume antes que alguém fique seriamente ferido. Deixem as pessoas votar pacificamente.”

Votos desordenados

Muitas fizeram-no de manhã. A estratégia do voto universal do governo regional catalão conseguiu fazer valer os centros de votação que não foram alvo de rusgas, o que aconteceu em dezenas de lugares. 

Milhares de pessoas votavam este domingo – algumas com boletins que imprimiram em casa –, mas o voto dava-se de forma desordenada, e, ao que sugerem algumas imagens, sem identificação ou controlos contra segundos boletins. Algumas urnas foram depositadas nas ruas. 

Um dos grandes focos de atenção este domingo estava situado sobre a polícia regional catalã, os Mossos d’Esquadra, que se recusaram a participar em operações contra os eleitores e limitaram-se, em alguns casos, a apreender urnas e boletins de voto.

A procuradoria-geral espanhola estuda já um processo contra a polícia regional, que, segundo escreve o “El País”, também se parece ter recusado a participar em operações anti-motim.