Bush: “De dia, ser músico é depressivo. À noite libertador”

Já foi uma estrela rock nos anos 90 mas hoje vai pôr os filhos à escola e vive a paternidade com o entusiasmo de quem pisa o palco pela primeira vez. De sex symbol a rocker de meia-idade, Gavin Rossdale não perdeu a adrenalina. Só a gere entre banda e família. Esta semana, os Bush…

A vingança dos anos 90 tem muitos nomes. Bush é um deles. Há vinte anos, eram quase rotulados de Nirvana lavados vestidos com jeans sem buracos. De facto, nesta história ninguém morreu. Gavin Rossdale, o guitarrista Chris Traynor e o baterista Robin Goodridge sobreviveram para interromper a história e recontá-la com novos capítulos. 

Para trás, estão os anos dourados da indústria, o tempo em que uma guitarra tinha o poder de uma arma e os refrões eram balas a perfurar o coração. São tantas as canções com o potencial VH1. “Everything Zen”, “Little Things”, “Comedown”, “Glycerine” e “Machinehead” do inaugural “Sixteen Stone” (1994); “Swallowed” e “Greedy Fly” de “Razorblade Suitcase” (1996); “The Chemicals Between Us” e “Letting The Cables Sleep” de “The Science of Things” (1999). 

O passado é um país perto de 11 de outubro em Lisboa (Coliseu dos Recreios) mas Gavin Rossdale, 51 anos, e pai de família que se recusa a envelhecer, só tem olhos para o futuro. E esse passa por gravar um novo álbum “direto ao assunto” como aqueles que ainda hoje resgatam os Bush da memória. 

Como é o seu dia-a-dia?

É bom. Tenho filhos e vou levá-los à escola. Metade do tempo é dedicado à família. Na outra, concentro-me na música. Também estou a preparar um documentário para televisão. E estou muito empenhado nas novas canções dos Bush. Sinto-me bem [n.d.r. Rossdale acabara de ser dispensado do concurso de caça talentos “The Voice” e há dois anos separou-se da “Namoradinha da América” Gwen Stefani de quem tem três filhos de dez, oito e três anos]. 

Como se sente ao levar os filhos à escola durante o dia e à noite subir a um palco?

Acho que é normal. É a vida. Se perguntares, muita gente do rock te vai dizer que tem filhos. Mas eu percebo a pergunta. Acho que é importante ver os filhos a crescer e ajudá-los a fazer as melhores escolhas e tomar decisões importantes para a vida. Muitas coisas mudam, sabes. 

Para melhor?

É um tempo diferente. Não só devido à tecnologia, à paranoia do streaming e à forma como as pessoas interagem. A nossa relação com a música também se altera. Costumava ler críticas negativas a concertos cheios com uma energia incrível e ficava deprimido. Deixei de ler. Também não quero ser um artista pop. Basta-me ser quem sou. Por fora, tudo se altera mas no fundo sou o mesmo. É engraçado ter consciência da mudança naquilo que me rodei porque, por dentro, sinto-me o mesmo. Ainda tenho a sorte de fazer o que gosto e isso é um grande privilégio, sabes? Não me imaginava a fazer outra coisa senão isto. Ainda me sinto estimulado em fazer rock’n’roll e subir a um palco.. 

Olhando para os seus filhos, reconhece neles a relação com o hip hop que na década de 90 havia com o rock?

Bem, os meus filhos são viciados em hip hop. Em termos de audiências na internet e nas rádios, sinto essa mudança mas depois chego a festivais e eles querem rock! Pelo menos, é isso que vou observando nos grandes eventos. É nisso que me quero concentrar. Em dar concertos vigorosos e cheios de fulgor com som potente e luzes impressionantes para que as pessoas saiam realmente satisfeitas do espetáculo. E em escrever canções rock diretas e sem interferências. Ouvir bandas como os Deftones e os Foo Fighters ainda pode ser inspirador. Por algum motivo, a determinada altura deixámos que a nossa música tomasse outros caminhos mas agora estamos em boa forma e somos uma banda coesa. Fizemos bons álbuns nos últimos anos e ainda queremos gravar mais. 

Refere-se ao facto de “The Science of Things” absorver alguma música eletrónica do final dos anos 90?

Sim, a esse período. Era um tempo particular. E nós fomos por ali. Os álbuns anteriores tinham sido diferentes. Houve uma mudança. Hoje, queremos concentrar-nos em ser uma banda rock. O rock ainda pode ser cool e excitante. Tem é de ter atitude e ser contagiante. 

Do vosso núcleo original, três dos quatro membros mantêm-se. Como é a vossa relação agora?

É boa. Temos muito respeito uns pelos outros. E adoramos o que fazemos. Seguramente passamos menos tempo juntos hoje do que passávamos antes. Cada um tem as suas vidas, e as suas famílias mas respeitamos isso. Já sabemos como gerir essa parte. Sabe, a vida de músico pode ser bastante diferente daquilo que se pensa. Os dias podem ser depressivos mas as noites são libertadoras. Dou por mim em viagem, numa carrinha, sem nada que fazer, longe de casa e a pensar como devia estar perto dos meus filhos. Implica um enorme sacrifício. É uma prova de resistência. Só o fazes porque gostas, de outra forma o melhor é ter outra profissão que não implique viagens tão longas. Nem toda a gente tem esse estômago mas felizmente ainda cá estamos e com público sempre interessado em ver-nos em salas ou festivais. Ainda não perdi a vontade de aprender e todas as noites trago uma recordação nova. Os concertos nunca são iguais. A energia nunca se repete. Espero que aí em Portugal também seja assim. 

Para quem ainda se sente tão entusiasmado com o que está para vir, como lida com as pessoas que vão ver os Bush pela recordação dos anos 90?

Bem, os fãs têm reagido muito bem a estes álbuns [”The Sea of Memories” (2011); “Man On The Run” (2014) e “Black and White Rainbows” (2017]. Não vamos a Portugal há vários anos e queremos apresentá-los às pessoas. O resto faz parte. O concerto é um balanço das coisas antigas e do material mais recente. Repara, eu não sou o Kanye West. Não vivo numa bolha (ri-se). Por exemplo, não tocamos o “Letting The Cabes Sleep”. Ainda gosto muito das canções antigas, e é normal que as pessoas se relacionem com elas, porque é sinal que construíram memórias a partir delas e têm boas recordações, mas felizmente continuámos a fazer discos e temos mais material para mostrar. 

Ao longo da carreira, os Bush deram vários concertos em Portugal. Tem alguma recordação?

Lembro-me de darmos um concerto perto do mar [em 2013, no Festival Marés Vivas]. Ficámos num resort ótimo onde também estava a seleção. E por estranho que possa parecer, o sítio para fazer yoga era comum com a zona onde eram servidos os pequenos-almoços. Foi um pouco estranho, as pessoas a passar ali com as chávenas de chá, a seleção no hotel e eu a fazer yoga e meditar. É a minha história.