Na quinta-feira continua o pingue-pongue catalão

Carles Puigdemont reafirmou o que disse no parlamento em carta a Mariano Rajoy e pediu dois meses de diálogo com Espanha. A vice- -presidente do governo de Madrid exige que, até quinta-feira, o governo catalão negue que fez uma declaração unilateral de independência

O presidente do governo catalão, Carles Puigdemont, respondeu, segunda-feira, ao requerimento feito por Mariano Rajoy, na semana passada, para declarar se “tinha ou não proclamado a independência”.

A carta do presidente do governo catalão não é, como ele não tinha sido em 10 de outubro, no parlamento catalão, explícita sobre essa matéria. Pede dois meses de diálogo com o governo de Espanha para resolver de forma acordada o diferendo entre a Catalunha e o governo de Madrid.

Puigdemont esclarece que o que fez no parlamento catalão, a 10 de outubro, ao anunciar os resultados do referendo de 1 de outubro e suspender as suas consequências, “não foi uma demonstração de debilidade, mas uma proposta sincera para encontrar uma solução na relação entre Catalunha e o Estado espanhol, que está bloqueada há muitos anos”. Manifesta-se surpreendido com a ameaça de Rajoy de suspender a autonomia através do art.o 155.o da Constituição. O líder do governo afirma que, perante um problema político, Madrid só conseguiu reagir até agora de uma forma: “Repressão contra o povo e o governo da Catalunha, fazendo uma repressão agravada aos líderes da sociedade civil que organizaram manifestações pacíficas, com milhões de pessoas, que estão convocados a ir prestar declarações na Audiência Nacional em Madrid, assim como o major dos Mossos d’Esquadra, Josep Lluís Trapero.” O chefe do governo da Catalunha recorda a repressão a que foram sujeitos os milhões de catalães que participaram no referendo de 1 de outubro e as repercussões internacionais que a ação das forças de segurança espanholas tiveram, sendo condenada por políticos, organizações internacionais e organizações não governamentais. Puigdemont pede que “não se deteriore mais a situação” e se convoque o mais depressa possível uma reunião, para que o problema entre o governo de Madrid e a Catalunha seja reconhecido como real e abordado.

O presidente do governo catalão recorda que mais de dois milhões de pessoas votaram a favor da independência e “deram ao parlamento o mandato democrático para a declarar”, resultados que se somam a um parlamento que resultou de “uma maioria de voto das forças independentistas”, recordando que os partidos independentistas receberam 47, 7% dos votos, contra 39% dos espanholistas e 8% do Podemos local, que não tomou posição sobre a questão e onde coexistem independentistas e não independentistas.

Acabou

O tempo das cartas Em reação à troca de missivas, a presidente da Câmara Municipal de Barcelona, Ada Colau, da área do Podemos, defendeu, em declarações na estação de televisão La Sexta, que tinha acabado o tempo das cartas e que era necessário que as duas partes dialogassem. Que não tinha havido a 10 de outubro nenhuma declaração unilateral de independência e que Puigdemont deveria reconhecer isso, e que, por seu lado, o governo espanhol devia abandonar o seu propósito de humilhar as instituições da Catalunha. Para a autarca, era urgente retirar os mais de 10 mil polícias espanhóis deslocados para a Catalunha e o governo de Madrid deveria deixar de bloquear as contas bancários e os movimentos financeiros do governo catalão. Para Ada Colau, é preciso um “diálogo real”, até porque “a imensa maioria dos catalães são favoráveis ao diálogo”, garante. A autarca considera abusivas tanto a possível suspensão da autonomia por parte do governo de Madrid como a convocação do parlamento catalão para concretizar uma declaração unilateral de independência: “Ela seria tão unilateral para o governo de Madrid como para parte da população da Catalunha, que não se reconhece nela e não participou no referendo.” Para a presidente da câmara da capital da Catalunha, as conversações entre Rajoy e Puigdemont devem colocar a possibilidade de decidir a realização de um referendo acordado que colocasse “não só a possibilidade de a Catalunha ser independente como de poder pertencer a uma Espanha que fosse mais confederal”.

A resposta de Madrid

O governo catalão conheceu a reação à carta de Puigdemont pela comunicação social, antes de a missiva ter dado entrada no Palácio da Generalitat. Soube-se, por intermédio de declarações da vice-presidente do governo de Madrid, Soraya Sáenz de Santamaría, que Puigdemont tinha até quinta-feira para retificar as suas declarações; se não o fizesse, o governo de Rajoy iria continuar o processo de colocar em prática o art.o 155.o da Constituição, que suspende a autonomia.

Esta possível ação do governo espanhol é contestada pelos juristas e por várias associações de magistrados. Em declarações à estação de televisão La Sexta, o porta-voz dos Juízes para a Democracia, Ignazio González, disse que do ponto de vista real não houve nenhuma declaração unilateral de independência porque na lei da transição, aprovada no parlamento catalão e considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional espanhol, mas que regulava o referendo do dia 1 de outubro, cabia ao parlamento catalão, depois de anunciados os resultados da consulta, fazer a declaração política correspondente aos resultados, coisa que não aconteceu.

Segundo vários analistas, citados pela comunicação social, existem em cima da mesa dois desenvolvimentos possíveis na ausência de qualquer diálogo: ou Puigdemont convoca novas eleições na Catalunha – pretendendo dar caráter constitucional para a elaboração das leis de uma nova República a essa convocatória, mas sendo, na prática, eleições que vão ter um caráter quase plebiscitário em relação a se se mantém ou não o rumo para independência – ou o governo de Madrid aciona o art.o 155.o.

Na segunda-feira foram ouvidos na Audiência Nacional de Madrid os dirigentes da Assembleia Nacional Catalã e da Òmnium Cultural, que organizaram as manifestações massivas do dia nacional da Catalunha, e os responsáveis da polícia autonómica, Mossos d’Esquadra, o major Josep Trapero e a intendente Teresa Laplana. O Ministério Público espanhol pediu prisão para a intendente Teresa Laplana, remissível por uma fiança de 40 mil euros. A juíza Carmen Lamela achou demasiado alta a pena pedida e optou pela pena de apresentação quinzenal no julgado mais próximo, proibindo-a de sair do país e confiscando-lhe o passaporte. É de esperar que o Ministério Público espanhol peça penas de prisão também para os outros acusados, o que, a verificar-se, agravaria ainda mais a situação de tensão na Catalunha.