E-mails. Buscas da PJ tramaram Paulo Gonçalves

Por ser advogado, o assessor jurídico da SAD do Benfica foi constituído arguido após as buscas da Polícia Judiciária no Estádio da Luz e na casa de Luís Filipe Vieira, motivadas por “indícios de corrupção ativa e passiva por parte de um indivíduo”. Águias dizem que a operação “só pecou por tardia”

“Finalmente”. Foi esta a palavra mais vezes dita ontem pelos adeptos e dirigentes dos três “grandes” em Portugal, depois de serem noticiadas e confirmadas buscas da Polícia Judiciária (PJ) no Estádio da Luz e na casa de responsáveis do futebol encarnado – além do presidente, Luís Filipe Vieira, também o assessor jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves, e Pedro Guerra, até há pouco tempo diretor de conteúdos da BTV, o canal de televisão do clube, receberam a visita dos inspetores da PJ, no âmbito do famigerado “caso dos e-mails”. Para já, só um foi constituído arguido: Paulo Gonçalves. E isto porque o estatuto de advogado assim o obriga, quando alvo de buscas.

Do lado dos rivais, não é difícil perceber o porquê do regozijo. Há vários meses que FC Porto e Sporting batem nesta tecla, com especial incidência para os dragões, que espoletaram o caso através do seu diretor de comunicação, Francisco J. Marques – ainda durante a temporada passada, o antigo jornalista começou a divulgar publicamente, através do Porto Canal, diversas trocas de correio eletrónico alegadamente entre funcionários do Benfica e elementos ligados à arbitragem.

No clube da Luz, porém, a notícia também foi recebida com satisfação – pelo menos a julgar pela reação oficial dos encarnados. “Até que enfim que cá vieram! Perante as insinuações, as sugestões que eram feitas relativamente a factos fraudulentos praticados pelo Benfica, queríamos avidamente que o único meio para destruir – repito, destruir – essas acusações fosse o que se passou aqui hoje! Queríamos que a Polícia Judiciária cá viesse para verificar em pormenor se era verdadeiro ou falso tudo aquilo que nos é imputado. Este é o único meio possível e estávamos desejosos que isto acontecesse. Esta era a única forma e o único veículo para destruir as sistemáticas ofensas ao Benfica”, atirou João Correia, porta-voz da equipa de advogados dos encarnados, em declarações ao canal de televisão do clube da Luz, garantindo que “a celeridade nas investigações é ponto de honra” para o Benfica. E completou, com uma farpa ao FC Porto: “Estamos cansados – e eu falo até como cidadão – de verificar que a cada semana se anuncia a prática de crimes na semana seguinte. Isto é único, não conheço nenhum país civilizado onde isto seja possível. E tudo continua na paz do senhor. Estamos cansados e a minha expressão é ‘até que enfim’ que a Polícia Judiciária tomou, e bem, o encargo de vir aqui apurar, através dos elementos que constam das nossas instalações, se existe um qualquer indício da prática de um crime de corrupção ou de influência perversa nos resultados desportivos. Oxalá que agora concluam rapidamente e de forma muito rigorosa e definitiva se há ou não há qualquer corrupção desportiva por parte do Benfica. Se se verificar que existe, então que o Benfica seja punido. Se se verificar que afinal tudo não passou de uma sistemática, dirigida e dolosa campanha contra o Benfica, eu tenho muito pena, mas alguém terá de ser fortemente castigado.”

 

Acusações de parte a parte De acordo com o comunicado emitido de manhã pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, os “mandados de busca domiciliária e não domiciliária são relativos à investigação em curso pelos crimes de corrupção passiva e ativa por parte de um suspeito”. Ao todo, terão existido dez buscas em vários locais distintos (Lisboa, Coimbra, Corroios, Santarém, Gaia e Guimarães), tendo estado envolvidos na operação 34 elementos: quatro magistrados do Ministério Público (MP), dois juízes de instrução e 28 funcionários da PJ, incluindo inspetores e peritos financeiros, contabilísticos e informáticos.

As buscas ocorrem um dia depois de João Correia ter desafiado o MP e a PJ a “agirem e resolverem de uma vez por todas o caso dos e-mails”. “É absolutamente essencial que venham aqui a esta casa e verifiquem se aquilo que é divulgado pelo Porto Canal corresponde ou não à realidade”, havia dito o advogado. Há poucas semanas, o juiz Jorge Marques Antunes, do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, havia recusado autorizar a realização de buscas ao Benfica, por considerar que o processo tem por base a obtenção de correspondência de forma ilícita e, como tal, não pode ser utilizada como meio de prova. Na semana passada, o clube da Luz viu ser-lhe negada, pelo Tribunal Cível do Porto, a solicitação de proibição da divulgação de mais e-mails por parte do diretor de comunicação do FC Porto – e o pagamento de um milhão de euros de cada vez que tal proibição fosse infringida. Para o juiz Fernando Barroso Cabanelas, a eventual confirmação da veracidade dos e-mails “reveste manifesto interesse público” – uma posição que as águias qualificaram de “verdadeiramente insólita, absolutamente inaceitável, muito grave e absurda num Estado de Direito”, anunciando desde logo o recurso para o Tribunal da Relação.

O processo partiu de uma denúncia anónima que deu entrada no Departamento Central de Investigação e Ação Penal a 8 de junho, depois dos primeiros e-mails divulgados por Francisco J. Marques. Desde logo, a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ pediu ao FC Porto “toda a documentação” que tinha em sua posse, e desde o início o Benfica se mostrou disponível para colaborar com a Justiça e fornecer toda a documentação necessária. Ao mesmo tempo, sempre se insurgiu contra a divulgação da correspondência eletrónica por parte dos dragões, acusando o clube portista de crimes de violação de correspondência e de manchar o nome e a reputação do clube. “O sistema informático do Benfica foi invadido e isso é crime. Os e-mails do Benfica, verdadeiros ou falsos, são propalados como sendo próprios do Benfica e na hipótese de o serem é claramente uma violação de correspondência. A pretexto dos e-mails são sistematicamente emitidas injúrias, difamações, imputações de crimes ao Benfica, que, como pessoa coletiva é gravemente ofendida, mas até agora não aconteceu nada: já fizemos participações criminais disso tudo, já apresentámos solicitações a todas as instâncias de investigação criminal em Portugal e até agora nada”, insistiu João Correia.