O PCP, as autárquicas e a ‘geringonça’

O Partido Comunista sabe na perfeição, em cada momento, quais são os seus interesses vitais, e sabe muito bem avaliar ou custos/ /benefícios dos caminhos que escolhe

Manuel Dias Loureiro

 

Tenho ouvido vários comentários sobre a atitude que o PCP deve tomar em relação ao Governo, depois do mau resultado nas autárquicas. 

Não me sinto habilitado para adivinhar as táticas e estratégias políticas do PCP. Muito menos, ainda, para opinar com segurança sobre as razões deste mau resultado eleitoral e aconselhar a direção política do Partido Comunista a tomar esta ou aquela atitude relativamente ao apoio a esta fórmula governativa. 

O Partido Comunista sabe na perfeição, em cada momento, quais são os seus interesses vitais, e sabe muito bem avaliar ou custos/benefícios dos caminhos que escolhe. 

Atrevo-me a dizer que julgo ter entendido a principal razão que levou o PCP a participar na construção da ‘geringonça’. E tenho a ousadia de opinar que, do ponto de vista dos seus interesses, tomou a decisão que não podia ter deixado de tomar. A sua participação nesta solução de Governo valeu-lhe uma vitória decisiva na ‘política de transportes’ do país, que compensa bem todos os custos que possa ter de pagar noutros domínios da política. 

Sem pretender juntar-me ao lote esclarecido e numeroso dos ‘comentadores políticos’, sempre direi o seguinte:

É nas comunidades mais pequenas, aldeias e vilas, que estão bem visíveis as diferenças idiossincráticas dos votantes dos diferentes partidos políticos. 

Os votantes do CDS são, regra geral, pessoas herdadas, vão à missa, são gente educada e respeitadora. A geração anterior ainda se lembrava do Prof. Salazar. Acham que já houve tempos melhores. 

Os votantes do PSD, por norma, são pessoas que trabalham por conta própria, não herdaram ou herdaram pouco, subiram, ou estão dispostas a subir a pulso, estão felizes com a vida e querem torná-la melhor. Acham que os tempos são outros, bem diferentes e melhores que os de antigamente. 

Os comunistas são pessoas diferentes. São contidos e respeitadores, não são religiosos mas cumprimentam o padre com consideração, não vão às procissões mas ficam recatadamente em casa quando passa o préstito, como sinal de respeito para com os crentes. 

São antissalazaristas, votaram em Humberto Delgado e vibraram com a Revolução de Abril. Discreta e sentidamente vieram ao Centro Vitória prestar a última homenagem ao Dr. Álvaro Cunhal, que lembram com muita saudade. Homens de ‘honra’ e de ‘palavra’, não gostam do mundo como ele é – e agora, sem muita esperança, esperam que um dia se cumpram os sonhos que ainda trazem vivos no coração. 

Os votantes no PS constituíam, até há 15 ou 20 anos, uma massa heterogénea mas com algumas afinidades, a primeira das quais se chamava Mário Soares. Mas eram pessoas diferentes das demais: na maior parte, trabalhadores por conta doutrem, funcionários e afins. 

Pouco contentes com a vida, nunca fizeram grande coisa para a mudar. Uns, poucos, iam à missa. Outros, a maior parte, plantavam-se à porta do café quando passava a procissão para que o padre visse que eles não eram de missas e procissões. 

Agora também há os bloquistas. Basicamente são ‘ex’: ex-comunistas, ex-esquerdistas, ex-socialistas, ex-tudo e ex-nada. 

A minha opinião é que, do ponto de vista da ideologia, os que se sentem mais confortáveis no Bloco são os ex-nada. Mas isto vale o que vale, não sendo dito por um comentador encartado. Os fenómenos como este do Bloco, a mim, impressionam-me pouco. Com todo o respeito, tenho de dizer isto: ainda miúdo, na minha Aguiar da Beira natal, apercebi-me de que, quando abria uma taberna nova, os primeiros clientes eram os que tinham muitas dívidas nas tabernas antigas. 

Tive também a sorte de ter lido, há muitos anos, um livro que nessa época (1955) foi uma pedrada no charco: O Ópio dos Intelectuais. Foi escrito por um grande filósofo, professor e ensaísta: Raymond Aron.

A realidade era outra, mas muito do que li nesse livro ajuda-me a entender este fenómeno.

Para o que interessa a esta espécie de crónica: alguns dos meus melhores amigos eram e são do PS. Tenho por eles muito respeito e verdadeiros sentimentos de amizade. Poucos mas muito amigos. 

Também tenho muitos amigos comunistas. Um dos meus maiores amigos é um polaco que foi dirigente importante do Partido Comunista Polaco. Talvez a minha maior amiga, amiga de mais de 50 anos, foi militante comunista, deixou de ser, nunca aderiu a outro partido e, sem dúvida, continua comunista de corpo e alma. E que alma enorme tem a Lena! 

Além disso, ao longo da minha vida política pude comprovar que muitos comunistas eram (e são) gente séria, gente de palavra e gente de honra. 

Entre todos, recordo um grande matemático, professor da Universidade de Coimbra: Joaquim Namorado. Por ser sogro de um grande amigo meu, encontrávamo-nos em casa da filha e do genro. Falávamos e discutíamos. Eu era um rapaz de menos de 30 anos, governador civil de Coimbra. Discutíamos. Com independência de espírito, elevação e…carinho. Ainda estou a ouvi-lo dizer: «Manel, tu és um reacionário mas eu gosto muito de ti…». Eu também, Prof. Namorado, e tenho muitas saudades suas.

Quando morreu, fiz na Assembleia da República, em nome do PSD, o voto de pesar. E eram muito sentidas as palavras que então disse. 

Para o que conta: não é a ideologia o que mais diferencia o PS do PCP.

O Partido Comunista teve uma grande derrota nas eleições autárquicas. Já foram feitas todas as análises e comentários, desde as razões ideológicas ao envelhecimento do eleitorado do partido.

A minha explicação está no que acabo de escrever. Que, dito de outra forma, pode resumir-se assim:

O secretário-geral, Jerónimo de Sousa, que humanamente é a todos os títulos muito estimável, esqueceu-se de dizer ao seu eleitorado, na campanha para as autárquicas, que os comunistas ainda não gostam dos socialistas!