Donald Trump. Depois do fumo, algum fogo

O antigo diretor da campanha do presidente americano foi acusado de fuga aos impostos, lavagem de dinheiro e contactos ilegais com Kiev. Um sócio seu também. Mas a peça fundamental é George Papadopoulos e um enigmático “professor”. 

A longa corrente de desenvolvimentos na investigação que tenta descobrir se a campanha do novo presidente americano recebeu ajuda russa para o eleger desaguou enfim esta segunda-feira em algo de radicalmente concreto.

A equipa do procurador especial Robert Mueller acusa três pessoas ligadas à campanha de Donald Trump de crimes relacionados com influências ilegais por parte de governos estrangeiros. Os três homens ocuparam cargos com diferente poder e importância na organização eleitoral e no topo encontram-se um antigo presidente da campanha e um responsável do comité da tomada de posse. São Paul Manafort e Rick Gates, um seu sócio de longa data.

Mueller, que tem poderes equivalentes aos de um procurador, acusa-os da lavagem de dezenas de milhões de dólares obtidos através dos serviços ilegais em nome do antigo governo ucraniano, um cliente e agente do poder russo. Acusa-os também de mentirem às autoridades americanas e fugirem aos impostos.

Alvo ou lado

Não é certo que Manafort, há muito na mira da investigação especial e da imprensa, ou Gates, operassem ainda no esquema de influência ucraniana em 2016, quando ambos participavam de uma forma ou de outra na campanha. Mueller, no entanto enquadra os alegados crimes nos dez anos que correram entre 2006 e o ano passado.

Os dois entregaram-se às autoridades ao início da tarde portuguesa desta segunda-feira e, ao começo da noite, juraram em tribunal estarem inocentes de qualquer uma das 12 acusações. Para Manafort foi estabelecida uma caução de dez milhões de dólares; Gates, cinco milhões. As duas estavam ainda por pagar por volta das 21 horas em Portugal Continental.

À medida que ambos conheciam as medidas cautelares, a Casa Branca reagia em Washington, dizendo que nenhuma acusação contra os dois homens tem a ver com a campanha do ano passado e que os alegados crimes não estão relacionados com a teoria de que o Kremlin pode ter colaborado com Trump ou responsáveis seus.

Trump afirma que nada disso aconteceu, repetiu-o esta segunda-feira no Twitter – “nenhuma COLABORAÇÃO” – e, nesse aspeto, de facto, as acusações falham mais ou menos o alvo. O terceiro homem acusado, no entanto, insere-se na tese da cumplicidade e, ao contrário de Manafort e Gates, declarou-se culpado em julho. Desde então tem vindo a colaborar com a investigação de Mueller.

Papadopoulos  e "o professor"

O seu nome é George Papadopoulos e esta segunda-feira tornou-se uma espécie de celebridade instantânea. Papadopoulos foi conselheiro na equipa de política externa na campanha de Donald Trump, que por esse mês de março afirmava ao “Washington Post” que o considerava um “tipo excelente”.

O conselheiro pode ser a peça crucial das revelações desta segunda. Em julho, mês em que foi discretamente detido no aeroporto de Dulles, em Washington, Papadopoulos confessou à investigação que contactou nas eleições com um homem a que a acusação designa apenas como “professor”.

Esse “professor” prometeu material para “tramar” Clinton – “dirt”, no inglês – na forma de “milhares de emails”. É nesse momento que Papadopoulos – segundo acabou por admitir à investigação depois de ter mentido num primeiro interrogatório – comunica a oferta russa ao seu supervisor na campanha e a “vários membros da equipa de política externa”, que não foram para já identificados. A oferta, disse então Papadopoulos, envolvia contactos também com a sobrinha de Vladimir Putin.

Papadopoulos pode revelar-se uma figura fundamental na investigação à mão russa na campanha de Donald Trump. Em primeiro lugar, porque já admitiu a culpa e parece ter feito um acordo de delação com as autoridades. Em segundo, porque os seus superiores na campanha responderam à oferta dizendo “bom trabalho” e “vamos desenvolver isto pela campanha”, indicando vontade de colaborar com o governo russo e preocupação em escondê-lo nos elos mais baixos da equipa. E, em terceiro lugar, porque nas eleições foram de facto divulgados milhares de emails roubados por ataque informático à campanha de Hillary Clinton. A WikiLeaks publicou-os, mas, segundo as agências de espionagem americanas, quem os conseguiu foi o Kremlin.

Reagindo à acusação de Papadopoulos, a diretora de comunicações da Casa Branca desvalorizou a participação do conselheiro na campanha. “Foi um voluntário e um membro voluntário de um comité de aconselhamento numa ocasião”, disse Sarah Huckabee Sanders, que deixou em aberto a possibilidade de Trump perdoar Manafort ou outros acusados. “Vamos deixar o processo avançar antes de pensarmos sequer nisso.”