É hora de fechar a torneira. “Os portugueses têm mesmo de perceber que há seca”

No primeiro dia em que camiões-cisterna garantiram o abastecimento de água a concelhos de Viseu, o governo apelou ao consumo “parcimonioso” da água e anunciou que restrições no seu uso poderão ser alargadas a todo o país

Uma seca severa e extrema exige medidas inéditas. Para fazer frente à falta de água que está a assolar o distrito de Viseu, cujas reservas já não conseguem garantir o abastecimento das torneiras de todos os munícipes, arrancou esta segunda- -feira uma operação de transporte de água em quatro dos 24 concelhos viseenses: Viseu, Mangualde, Nelas e Penalva do Castelo. Com esta medida, a Câmara Municipal de Viseu pretende também reduzir o uso dos recursos da barragem de Fagilde – atualmente com apenas 15% da sua capacidade, valor mínimo histórico –, que fornece as populações dos concelhos de Nelas e de Mangualde.

Os números ajudam a perceber até que ponto vai a escassez de água: 27 camiões- -cisterna vão transportar 112 cargas de água por dia, o que equivale a 3300 metros cúbicos de água, segundo disse à Rádio Renascença o presidente da Câmara Municipal de Viseu, Almeida Henriques. O abastecimento dá prioridade às zonas mais afetadas e está previsto decorrer até ao final de novembro.

Almeida Henriques, que estima que a autarquia possa vir a gastar meio milhão de euros por mês, explicou à Renascença que a água vem de vários locais próximos da região, uns mais longe e outros mais perto. “Uma água vem de Tondela, outra de Trancoso, outra de Caparrosa. São cerca de cinco pontos.” Para a autarquia, a água que vai chegar às torneiras sairá cinco vezes mais cara do que quando o abastecimento pode ser feito de forma normal.

Novas medidas para conter o consumo de água

A operação de abastecimento entrou em vigor no dia da segunda reunião da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca. No final deste encontro, em conferência de imprensa, os ministros da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos, e do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, deram conta das novas medidas acordadas na reunião.

Matos Fernandes disse que a situação é “preocupante” e pôs a tónica na necessidade de consumir água de forma responsável, não apenas nas regiões afetadas pela seca, mas em todo o país. “Os portugueses têm mesmo de perceber que há seca. Precisamos de um uso parcimonioso e contido da água a nível nacional”, alertou. Referindo-se às últimas chuvas, o governante disse ainda que é preciso que o inverno chegue, visto que “uma chuva de dois ou três dias não muda a situação”.

Numa altura em que 90% do território está em seca severa ou extrema, o governo admite que as restrições ao uso de água – durante o verão recomendadas às autarquias mais críticas – poderão ser alargadas a todo o país. Estas restrições, informou o ministro do Ambiente, serão combinadas com os municípios, mas vão incidir sobretudo na rega de jardins, no abastecimento de fontes ornamentais e no enchimento de piscinas – isto porque, assegurou Matos Fernandes, em primeiro lugar é preciso garantir que há água para consumo humano. Já a aplicação de água em jardins, fontes ou piscinas surge em último lugar na hierarquia das prioridades.

Este tipo de restrições já se verificou, por exemplo, nas piscinas municipais cobertas de Nelas, que encerram a partir da próxima quarta-feira. Matos Fernandes revelou ainda que vai ser preparado um plano de comunicação para a população relativo ao consumo de água.

Quanto à agricultura, Capoulas Santos explicou que “os problemas agora são ao nível da pecuária” e garantiu que o ministério está a assegurar o abastecimento de água e alimento para os animais. O ministro anunciou a abertura, esta semana, de duas linhas de crédito de cinco milhões de euros para apoio aos agricultores cuja atividade está a sofrer efeitos provocados pela seca. Capoulas Santos assinalou também que vai certamente haver um “adiamento das culturas de inverno”, prevendo que a situação mais grave se verifique na cultura do arroz, “que provavelmente não vai haver este ano”, admitiu.

As previsões meteorológicas para os próximos dias são mais animadoras. Segundo o IPMA, a chuva regressa a partir de amanhã, acompanhada de uma diminuição das temperaturas. Resta esperar para ver se virá em quantidade suficiente para resolver uma situação que, como Capoulas Santos reconheceu, “só a chuva pode resolver”. Para a próxima semana, as previsões do IPMA sugerem outra vez menos aguaceiros.