Noite. Seguranças vão passar a ficar quietos

Faltam polícia nas rua, dizem os empresários das discotecas. Na semana da Web Summit, a Polícia achou que faltavam agentes e reforçou o patrulhamento noturno. Entretanto, os seguranças estão a passar a mensagem de que não vão interir na via pública.

São muitos os que falam em voz baixa ou alta, dependendo do lugar onde se encontram. Mas os homens ligados à indústria da noite são claros: os seguranças das discotecas não se vão envolver em confrontos na via pública. Pode ser na fila de entrada ou alguns metros afastados que ninguém se vai meter: «Até podem estar a saltar para cima da cabeça de alguém, como fizeram os gorilas que estavam à porta do Urban, que ninguém se vai meter», confessa ao SOL o dono de uma discoteca da capital.

E este é um dos principais problemas apontados pelos empresários da noite: a falta de segurança e de polícias nas imediações dos espaços de diversão nocturna. O problema é tão grave que não faltam vídeos a circular nas redes sociais, uns mais antigos, outros atuais, em que jovens se agridem selvaticamente sem que exista um polícia nas proximidades. E é legal ou não os seguranças ajudarem a pôr fim a esses conflitos, uma vez que se passam no exterior dos locais onde trabalham? «Se, por exemplo, numa fila de uma discoteca – que é na via pública – houver uma altercação, é perfeitamente compreensível que um segurança que está à porta da discoteca e tem de garantir a segurança dos clientes, intervenha ali naquela zona. É perfeitamente legítimo. Não pode é haver excessos», explica Rogério Alves, presidente da Associação de Empresas de Segurança.

Referindo-se ao episódio na Urban Beach, Rogério Alves diz ao SOL que os seguranças «exorbitaram claramente as suas funções e violaram a lei», ressalvando que a empresa em questão, a PSG, não faz parte da associação, mas reconhece que nesta profissão «há zonas cinzentas», entre o fim do perímetro de atuação da segurança privada – a discoteca – e o início do perímetro de atuação da segurança pública – a via pública.

Onde está a Polícia?

«O policiamento é uma questão de que se tem falado muito e que ninguém parece querer aceitar», diz José Gouveia, presidente da Associação das Discotecas de Lisboa, que defende que este é o fator principal do problema e que devia haver mais policiamento na via pública. E, de facto, todas as pessoas da indústria com quem o SOL falou apontam este fator. É que nem sempre as situações de agressão acontecem no interior dos estabelecimentos de diversão noturna – onde é da competência dos seguranças contratados a uma empresa externa atuarem.

Como José Gouveia recorda, depois da gravação das imediações da Urban Beach ter vindo a público, a PSP veio dizer que Lisboa é uma cidade segura e que, como tal, não haverá um reforço do policiamento. «Mas o que é facto é que esta semana tivemos o Web Summit e houve um reforço do policiamento na rua. Acho contraditório dizer que Lisboa é segura e depois haver reforço numa conferência de pessoas que são tudo menos violentas. A policia deve estar com medo que as startups comecem numa start fighting», continua.

E não tem dúvidas: «Se houve esse reforço, deve-se ao facto de as pessoas saberem que existem grupos na noite que podem provocar violência contra estas visitas que são importantes para o desenvolvimento da nossa economia e do nosso turismo. Se houvesse segurança, não havia necessidade desse reforço».

Para João Magalhães, que já foi proprietário de vários espaços e está de momento a preparar outros projetos, a questão também parece ser evidente. Defende que há falta de policiamento e isso indigna-o. «Porque não vigiar essas zonas se aí acontecem assaltos e se vende droga?», pergunta.

Dessa ideia partilha também um porteiro há algumas décadas na profissão que não quis ser identificado. «Apesar de a noite estar cada vez mais segura, nota-se muito a ausência de policiamento de rua, nas imediações das discotecas, e faz falta», defende.

Antes, na noite lisboeta, «as casas tinham sempre um porteiro à porta, que recebia as pessoas e que se fazia acompanhar de seguranças, e isso fazia toda a diferença», acredita. É que, como nota, um porteiro tem mais sensibilidade com os clientes do que um segurança, e manter essa organização contribuiria decerto para reduzir o número de casos de violência envolvendo seguranças.

Da mesma forma, Rogério Alves, não tem dúvidas de que um maior policiamento é uma necessidade que é preciso suprimir e que evitaria situações de violência. «A noite é manifestamente um ambiente que tem alguns fatores que tornam propícia alguma violência, com álcool e provocações. E a segurança privada tem um limite de intervenção e a polícia tem outro, que é a via pública».

Gratificados são a solução?

Entre os inquiridos pelo SOL, alguns defendem que junto dos seguranças, à porta das discotecas, deveriam estar também gratificados – agentes da PSP a quem a discoteca pagaria o serviço de segurança. Isto porque, como assinala José Gouveia, «um polícia com 50 quilos substitui dois seguranças com 70 quilos de massa muscular».

Recorde-se que, enquanto os seguranças não podem estar armados – por lei é apenas permitido que tenham tasers ou gás pimenta –, os agentes da polícia andam armados, o que confere logo à partida uma maior garantia de segurança.

Ao mesmo tempo, como assinala, é um facto que a figura de um polícia, fardado, à porta de uma discoteca, tem muito mais autoridade do que um segurança – «é logo dissuasor de qualquer situação», advoga Gouveia. E mais: caso aconteça algum tipo de situação violenta no exterior da discoteca, na via pública, o agente gratificado poderia agir.

Contudo, um antigo polícia e ex-formador de seguranças que não quis ser identificado chama a atenção para uma outra questão, embora defenda a presença de gratificados. É que, se por um lado a Polícia não gosta de trabalhar na noite – «acham que toda a gente é mal-intencionada» e que os bêbados e drogados se devem entender entre si – e evita colocar gratificados nas portas das discotecas, quando o faz o que costuma acontecer é que o policiamento na via pública fica comprometido.

«A Polícia não quer meter gratificados e quando mete quer substituir o policiamento público que constitucionalmente o Estado português tem de garantir. Metem os gratificados pagos, mas depois não passa um carro patrulha no estacionamento, nem passa lá o piquete, nem passa lá a brigada à civil», denuncia, defendendo que é preciso uma mudança de mentalidade dos responsáveis policiais.

Como explica ao SOL, quando um proprietário abre uma discoteca, é obrigado a contratar os serviços de uma empresa de segurança. Além disso, caso queira, pode contactar a divisão da PSP da área e pedir gratificados – algo que se traduz em mais uma despesa no orçamento. O pedido é avaliado pelo intendente, mas como o ex-polícia e ex-formador de seguranças frisa ao SOL, «os polícias não gostam de trabalhar na noite como gratificados».

Quem vai ocupar o lugar da PSG?

Com a retirada do mercado noturno da PSG, empresa para a a qual trabalhavam os agressores da Urban, há quem diga no meio da noite que as outras firmas de seguranças irão lutar entre si pelo espaço agora deixado vago. «Acredito que haverá uma luta de galos e quem tiver os homens mais fortes vai ganhar a guerra. Alguém acredita que tudo vai ser claro como a água?», questiona um segurança da noite. Outro homem do meio acredita que nos próximos tempos essa luta não será tão visível até porque ninguém se quer queimar debaixo dos holofotes, mas depois de tudo passar a «luta será forte».

Entretanto, a Urban Beach interpôs uma providência cautelar contra o Ministério da Administração Interna tentando anular a ordem de encerramento por seis meses. Cabe agora ao Tribunal Administrativo de Lisboa dar seguimento ou não ao pedido dos responsáveis da discoteca. Por outro lado, o SOL sabe que a administração da Urban tem estado em contacto com a PSP para tentar resolver os impedimentos apontados pelo MAI para o encerramento do espaço. Por essa razão, quando reabrir a discoteca não terá mais cartões de consumo pagos no final da noite. Esta é apenas uma das medidas que estão a ser equacionadas.