Isabel II e Filipe de Edimburgo. Um casamento de sete décadas

Há 70 anos, o casamento da então princesa Isabel com o duque de Edimburgo parou o mundo. Os noivos receberam presentes de Gandhi e 500 latas de ananás, uma máquina Singer, um frigorífico… entre outras coisas mais monárquicas

Isabel II e Filipe de Edimburgo. Um casamento de sete décadas

Londres, 10h30, há exatos 70 anos. Uma ainda princesa Elizabeth descia do Irish State Coach para entrar na Abadia de Westminster, de braço dado com o pai, o rei George VI. 

Nas mãos levava um comprido bouquet de orquídeas brancas com uns apontamentos de murta, muito embora as suas flores preferidas continuem a ser cravos. Mas a tradição tem malhas férreas, que já Isabel honrava naquele dia com um sorriso – e com o ramo com as murtas, tal como a sua trisavó, a rainha Vitória –, longe de saber que, cinco anos depois, entraria de novo na Abadia, vestida novamente pelo costureiro oficial da casa real, Norman Hartnell, não para casar com Filipe Mountbatten, mas para suceder antes de tempo ao homem que lhe dava o braço naquela manhã de novembro de 1947.

Voltemos então à entrada da ainda princesa na Abadia e ao casamento real, acontecimento oportunamente acompanhado por 200 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, através da emissão de rádio da BBC. Um dia em que o simbolismo foi além do casal – não é sempre assim quando falamos de enlaces reais ? – e que, no rescaldo da Segunda Grande Guerra e da crise desse ano de 1947, também serviu para marcar o fim de um ciclo de dureza extrema em que o Reino Unido esteve especialmente envolvido.

Um vestido pago a senhas A guerra já tinha terminado mas não era ainda um espetro. Prova disso é o vestido escolhido pela mulher que mais tempo passou aos comandos do Reino Unido. Para o pagar, Isabel teve que recorrer a senhas de racionamento. Mas a sua popularidade entre o povo já se antevia então: de todo o país chegaram-lhe senhas para ajudar a pagar o vestido, que depois devolveu.

O noivado foi curto, quatro meses, o que deu também a Norman Hartnell pouco tempo para o processo criativo. Em agosto, a princesa recebe alguns esboços e escolhe um modelo inspirado n’ A Primavera, de Botticelli, julgando apropriado um apontamento do Renascimento numa altura em que também o mundo renascia da guerra. De seda marfim, decote em coração, corpete justo ao corpo e cintura baixa terminando em forma de V, a criação de Hartnell terminava com uma cauda de quatro metros. Um comprimento modesto: Diana levava uma cauda de 7.5. 

“Acho que foi o vestido mais maravilhoso do século”, disse este fim de semana ao The Telegraph Betty Foster, uma das costureiras do atelier cujas mãos tiveram o labor de coser no tecido dez mil pérolas provenientes dos Estados Unidos e outros tantos cristais. 

A completar o conjunto, Isabel levava ao pescoço duas rainhas: dois colares de pérolas, o “Rainha Anne”, que terá pertencido a Anne, a última rainha Stuart de Inglaterra, e o “Rainha Caroline”, herança da mulher do rei George II. E, na cabeça, uma tiara de diamantes que acabou por provocar um momento insólito: enquanto Isabel se arranjava para a cerimónia, a moldura da tiara, usada pela Rainha Mary no seu casamento em 1893, partiu. A mãe da princesa e então rainha, também Isabel, que viria a ser conhecida como Rainha Mãe, chamou rapidamente o joalheiro da corte, Garrard, que resolveu a situação.

Há dez anos, a propósito da comemoração das bodas de diamante dos monarcas – aos 70 celebram-se umas menos impactantes, pelo menos na nomenclatura, bodas de vinho –, a Casa Real organizou uma exposição, “Um casamento real: 20 de novembro de 1947”, em que foram expostos não só os trajes dos noivos e até alguns dos presentes recebidos, entre os quais safiras, baixelas de prata, joias incrustadas de diamantes, uma máquina de costura Singer e até… um frigorífico. 

Além das lembranças dos convidados presentes, a Londres chegaram ofertas de todo o mundo. Os recém-casados receberam mais de 2.500 presentes, alguns bem curiosos, nos quais se incluíram 500 latas de ananás, um produto difícil de arranjar depois da guerra. Mahatma Gandhi foi, porventura, o mais original: enviou um pedaço de tecido de algodão no qual bordou, ele próprio, as palavras “Jai Hind” – vitória para a Índia. 

Pequeno-almoço Entre os dois mil ilustres convidados para a cerimónia em Westminster contavam-se várias figuras da realeza, como os príncipes Juliana e Bernhard dos Países Baixos ou o Rei do Iraque. 

Mas, por contraponto à dimensão da cerimónia, a receção que se seguiu foi, dentro do possível, íntima e não chegou aos duzentos convidados. Até porque o dinheiro era um problema, e o momento, embora de euforia, exigia contenção.
Pela hora de almoço, a princesa e o duque de Edimburgo serviram um “pequeno-almoço de casamento”, qualquer coisa que hoje chamaríamos de brunch. Ao som das cordas do Grenadier Guards, foram servidos filé de linguado “à Mountbatten”, perdiz na caçarola, e uma sobremesa gelada: “Bombe Glacee Princess Elizabeth”. Depois da receção, os noivos foram à varanda do Palácio de Buckingham para, como manda a tradição, acenarem à multidão. No dia seguinte, partiram para a lua de mel que, sem grandes alardes, decorreu na Irlanda. 

Menos discreto foi o bolo do casamento, partido no dia. Embora tenham recebido de presente, nada mais, nada menos do que onze bolos de casamento, o oficial, uma criação da pastelaria McVitie and Price, tinha 2,74 metros de altura e quatro andares, nos quais foram pintadas as armas da família dos noivos. Para a sua confeção, foram usados ingredientes do mundo inteiro, incluindo açúcar da Austrália, pelo que acabou por ficar conhecido como ‘The 10.000 Mile Cake’ [o bolo das 10.000 milhas].

Uma ligação recorde Em 1972, a rainha e o duque celebraram as bodas de prata com uma cerimónia na Abadia de Westminster. Em 1997, chegaram as bodas de ouro – pela ocasião, deram um almoço na “House in London” e a rainha recebeu de presente uma cópia do seu bouquet, o de orquídeas e murta. Em 2007, chegaram as bodas de diamante – um marco que nunca tinha sido atingido na casa real britânica. A data fez-se acompanhar da tal exposição, que a rainha fez questão de visitar sozinha antes da abertura oficial. 

Com uma história comum de 70 anos, a rainha e o duque de Edimburgo – que em maio deste ano anunciou a ‘reforma’ da vida pública –, elevaram a fasquia a píncaros quase irreais os seus sucessores. Este fim de semana, a Casa Real libertou uma fotografia comemorativa – a rainha, de 91 anos e vestido creme, fez-se fotografar com uma pregadeira que recebeu do marido, em 1966. Já Filipe, de 95, aparece igual a si mesmo, com um meio sorriso trocista. Dizem que continua com o sentido de humor apurado, que faz arrancar gargalhadas à mulher, embora a trate por rainha e durmam em quartos separados.