Denúncia. Presidente da Fundação O Século dá emprego a sete familiares

PJ fez ontem buscas na sede da fundação, no Estoril. Denúncia a que o i teve acesso revela anos de alegado favorecimento pessoal a familiares e amigos. Responsável diz estar de consciência tranquila

As suspeitas de ilegalidades na gestão de associações parecem estar a alastrar. Depois da polémica em torno da Raríssimas, chegam agora a público suspeitas de favorecimentos e de irregularidades na gestão da Fundação “O Século”. 

O i teve acesso a uma denúncia de trabalhadores em que é revelado que o presidente da fundação, Emanuel Martins, no cargo há 18 anos, terá aproveitado as suas funções para criar postos de trabalho para sete familiares e para amigos, fazendo uma gestão “danosa e ruinosa”. Trata-se de postos de trabalho dentro da fundação ou até mesmo em empresas como infantários, lavandarias, operadoras de turismo ou empresas de take–away que foram criadas “injetando capital na instituição”. De acordo com a denúncia, há ilegalidades nos contratos celebrados.

Os familiares em causa são filhos de Emanuel Martins: Cláudia Martins, que é secretária do presidente, e Mário Martins, que é responsável de armazém. De acordo com a denúncia, a filha de Emanuel Martins “por vezes é alegadamente promovida a chefe do gabinete da presidência, passando, nesse período, a administração executiva (composta pelo presidente e vice-presidente) a ter três secretárias”. Já o filho “começou como vigilante, mas agora faz o inventário e a triagem de tudo o que é doado à fundação”.

Também a mulher do presidente da fundação, Fernanda Martins, está alegadamente entre as funcionárias como responsável pela equipa de limpezas, tendo deixado a empresa de seguros D’O Século. 

Pelo meio, Emanuel Martins terá dado também emprego a dois enteados. Carlos Mártires, que é diretor-geral, entrou na fundação “como diretor de compras e foi promovido em 2015 a uma nova categoria criada para o efeito, com direito a aumento salarial”. Em conversas de corredor era apontado como o sucessor à presidência da fundação. O outro enteado é Nuno Mártires, que é o responsável pela manutenção, secção onde há trabalhadores “com anos de casa”. 

Ainda dentro do raio familiar, entre os trabalhadores encontram-se as duas noras de Emanuel Martins: Carla Teixeira, que é responsável pela empresa de take-away, e a nutricionista Vanessa Fernandes que, segundo a denúncia, “recebe um salário por criar os menus servidos na fundação, sendo os mesmos há anos”, e aparece no local de trabalho, “se tanto, duas vezes por ano”. 

Estas são algumas das pistas que terão chegado ao Ministério Público e que terão levado a PJ a fazer buscas, ontem, na sede da fundação. De acordo com o comunicado da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, estão a ser investigadas suspeitas de crimes de “peculato e abuso de poder” em “prática de condutas ocorridas entre 2012 até à presente data”. Foi apreendida documentação contabilística e financeira, atas relevantes para o objeto da investigação e ainda contratos de trabalho de 20 funcionários. As suspeitas recaem sobre o presidente e o vice-presidente da fundação, João Ferreirinho. 

O i sabe que esta denúncia foi enviada ao Bloco de Esquerda há dois anos.

Uso de dinheiros da fundação De acordo com os relatórios de contas da fundação, publicados no site, desde 2012 que a Fundação “O Século” tem um passivo crescente e resultados anuais líquidos negativos. Em 2015, o último ano em que foi publicado o relatório de contas, o passivo (dívida) era de 4 391 838,57 euros. 

E são várias as notícias publicadas nos últimos anos com Emanuel Martins a alertar para a falta de verbas da instituição, que recebe dinheiros públicos do governo. 

Na denúncia lê-se que “a família abastece os respetivos carros à conta do cartão-frota da fundação”. Levam ainda, alegadamente, “frequentemente comida para casa sem pagar por isso”. Também “os aniversários festivos, como o dos netos do presidente, são celebrados na instituição, com comida e bebida doada ou que se destinava aos utentes, utilizando os recursos da Instituição”. Além disso, “a equipa de manutenção é muitas vezes chamada à casa do presidente ou dos seus familiares para ali trabalhar, levando materiais da própria fundação, em claro prejuízo da instituição” – o que, garantem os denunciantes, não acontecia antes de o enteado do presidente assumir o cargo. 

Outras suspeitas Além dos contratos com familiares, os denunciantes alertam ainda para suspeitas sobre a gestão da Seguros d’O Século, a quem chamam “uma empresa-fachada”, dizendo que “nunca entrou qualquer cliente” na seguradora. 

Aos jornalistas, Emanuel Martins disse ontem estar “de consciência tranquila”. O presidente da fundação foi vereador da Câmara de Oeiras pelo PS e presidente do conselho de administração de uma empresa municipal. Foi ainda deputado pelo PS à Assembleia da República entre 2000 e 2002. 

Martins é presidente da Fundação “O Século” desde 1999, assumindo o cargo um ano depois de a associação ter passado a fundação. Antes, tratava-se de uma associação criada em 1927 por João Pereira da Rosa, na altura diretor do jornal homónimo, destinada a apoio social através de uma colónia balnear infantil.