Trump. Retrato de um presidente que apenas queria vender a marca

Michael Wolff escreveu um livro sobre os bastidores da campanha presidencial e da Casa Branca, baseado em mais de 200 entrevistas

Traição, surpresa, fúria, mau penteado, desejos presidenciais, um fecho na porta, a Casa Branca à deriva. O novo livro do jornalista Michael Wolff promete isso e muito mais. Assente em mais de 200 entrevistas, segundo o próprio, conta uma história muito pouco lisonjeira para o presidente dos Estados Unidos e já mereceu deste aquilo que ele mais gosta de fazer e não concretizar: ameaçar com um processo na justiça.

O título do livro é irónico porque usa um dos mais icónicos tweets de um chefe de Estado que tem o pensamento ligado à sua conta de Twitter: “Fire and Fury: Inside the Trump White House”. Fogo e fúria foi aquilo que Donald Trump afirmou ter à sua disposição para contrapor aos desafios do seu homólogo norte-coreano, Kim Jong-un.

Podem ser mesmo mais de duas centenas de testemunhos, mas no centro de todos eles está o de Steve Bannon, o homem da alt-right que definiu a estratégia de Trump e o levou até à Casa Branca para depois ser afastado do círculo mais íntimo do poder.

Wolff e a sua editora sabem disso e tiraram proveito para a promoção do livro que, antes de o ser, já é um grande sucesso, até porque só será publicado no dia 9. Daí a história do encontro de Donald Trump Jr. com um grupo de russos durante a campanha eleitoral, que Bannon qualificou de “traição”.

Mas o livro tem mais tempero, incluindo um acordo entre Jared Kushner e Ivanka Trump a pensar na possibilidade de uma futura candidatura desta a presidente dos Estados Unidos. “Pesando o risco e a recompensa, Jared e Ivanka decidiram aceitar papéis na Ala Oeste [da Casa Branca], aconselhados por quase todos os que conhecem. Foi uma decisão conjunta como casal e, em certo sentido, um trabalho em conjunto. Entre os dois, fizeram um pacto: se algures no futuro surgir a oportunidade, será ela a candidatar–se a presidente. A primeira mulher presidente, pensou Ivanka, não seria Hillary Clinton; seria Ivanka Trump.”

Wolff traça ainda o retrato de um candidato presidencial que ficou estupefacto com a vitória, porque se tinha lançado na corrida mais para promover a marca Trump, que nem queria acreditar quando ganhou, mas rapidamente se convenceu de que merece ser presidente e é muito capaz de o ser.

Mesmo assim, uma coisa é o que Trump se convence de ser, outra aquilo que na realidade é como presidente, a forma como convence as pessoas e inspira os seus colaboradores. Desde a primeira hora, isso parece não acontecer – desde a cerimónia de investidura, em que Trump terá ficado zangado por não conseguir atrair nenhuma grande estrela para abrilhantar a cerimónia.

“Durante todo o dia, andava com aquela expressão que os que lhe são mais próximos se habituaram a chamar cara de golfe: furioso e irritado, ombros encurvados, braços pendurados, sobrancelhas franzidas e lábios cerrados”, escreve Wolff sobre esse primeiro dia presidencial.

Que Trump tinha mandado instalar mais duas televisões no quarto já se sabia, mas a imagem de Trump a comer sozinho um cheeseburguer e a ver três canais de TV, ao mesmo tempo que se lamenta ao telefone de que os média inventam notícias é um retrato poderoso. Tal como a imagem de Katie Walsh, a vice–chefe de gabinete, a perguntar a Kushner, ao fim de seis semanas no poder, quais as três prioridades desta Casa Branca, e o principal conselheiro do presidente responder: “Sim, se calhar é melhor termos uma conversa sobre o assunto.”