Madalena Iglésias. Princesa da rádio, rainha da televisão

Ídolo de uma geração, vedeta dos anos 60. Madalena Iglésias tinha a carreira internacional lançada quando pôs a família em primeiro e abandonou os palcos – sem qualquer mágoa. Morreu ontem aos 78 anos. 

Para as gerações nascidas a partir dos anos 80, o nome Madalena Iglésias não é imediato. Pode até ser desconhecido. Afinal, como lembra Filipe La Féria ao i, Madalena saiu cedo, demasiado cedo do mundo do espetáculo que conquistou de supetão. E não saiu por empurrão, mas por escolha, como contou a própria. Morreu ontem na clínica em que estava internada, em Barcelona, cidade onde vivia. Tinha 78 anos e os jornais e redes sociais inundaram-se de nostalgia de tempos que talvez encontrem na expressão “cançonetista” um curto e belíssimo retrato.

Nos obituários que lhe foram dedicados, sobressaía uma mensagem unânime: Madalena Iglésias pode ter tido uma carreira curta, mas marcou indubitavelmente uma geração. Tornou-se num mito. E foi uma estrela da música pop. “Deixou de facto uma lenda pela sua personalidade, era a rainha da rádio e da televisão”, resume La Féria que, em 1989, na Casa da Comédia, lhe dedicou o espetáculo ‘What Happened to Madalena Iglésias’”.

E, voltando onde começámos, mesmo os que não lhe associam o nome à carreira conhecem os versos trauteados por gerações. “Sei quem ele é/Ele é bom rapaz um pouco tímido até”… É assim que começa “Ele e Ela”, de Carlos Canelhas, tema que lhe valeu a vitória do Festival RTP da Canção em 1966. Mas a carreira começara doze anos anos, em 1954.

Primeiros anos Madalena Lucília Iglésias do Vale de Oliveira Portugal nasceu em Lisboa, na freguesia de Santa Catarina – perto do Bairro Alto. Muito jovem, viveu na Estrada de Benfica e não teve uma infância propriamente fácil, lembra um amigo de então. “Foi criada pelo padrasto”, recorda.

O seu percurso escolar esteve desde o começo ligado ao mundo do espetáculo. Estudou no Conservatório e na Escola do Canto. Em 1954, tinha 15 anos quando entrou para o Centro de Preparação de Artistas da Rádio da Emissora Nacional. Nesse ano, estreia-se na televisão portuguesa. Em 1959, atua na televisão espanhola, na RTVE, e começa assim a sua carreira internacional, que mais tarde há-de incluir digressões na América Latina. 

No ano seguinte, os portugueses elegem-na, numa votação feita através de sobrescritos, como Rainha da Radiotelevisão. Ainda receberá o título outras seis vezes: em 1960, 1962, 1963, 1964, 1965 e 1966.

A década de 60 será, efetivamente, de Madalena Iglésias. Logo em 1962 representou Portugal no Festival de Benidorm, que lhe abriu definitivamente as portas do mercado internacional. Dois anos depois estreia-se no cinema ao lado de de António Calvário, no filme “Uma Hora de Amor”, de Augusto Fraga. Entrará ainda noutras fitas: “Canção da Saudade”, de Henrique Campos, e “Sarilho de Fraldas” (1967), de Constantino Esteves. Ainda em 1964, venceu o Festival Hispano-Português de Aranda del Duero, em Espanha. E em 66, chega a vitória do Festival RTP da Canção, 

Durante essa década arrastou multidões e colecionou prémios: é eleita “Rainha da Rádio” de Goa; recebeu o Óscar do Disco em Portugal; diploma de Honra da Casa da Imprensa; Troféu Carajá, da Televisão Marajoará, do Estado brasileiro do Pará; na Venezuela foi distinguida com o Guaicaipuro de Ouro e o Bolívar de Ouro [atuou várias vezes neste país entre 1961 e 72]; recebeu a Medalha da Cidade de Luanda e a lista não se finda com estes títulos.

As fotografias dessa época mostram uma mulher muito, muito bonita. “O ‘muito bonita’ perseguiu-me toda a vida, criou-me o complexo de que fosse só isso. E, como tal, trabalhei que nem um animal, tentei superar-me, estudei, aprendi idiomas, fiz exames no Conservatório, para melhorar o meu trabalho e a mim própria como pessoa”, dirá Madalena à Lusa em 2008, a propósito do lançamento 

Conta quem partilhava a vida de cafés da altura que o seu pouso habitual era o Tarantela, no Largo Dona Estefânia, que fechou em 2016. Já António Calvário, seu contemporâneo, parava no Vá-Vá, em Alvalade. António e Madalena eram metade do quarteto musical que dominou a década de 60, que se completava com Artur Garcia e, claro, Simone de Oliveira – a amiga rival?

“A rivalidade dela com a Simone era uma coisa inventada pela comunicação social”, diz Francisco Dias, antigo bancário ligado ao mundo do espetáculo há mais de 50 anos. 
A própria Simone recordou ontem esses atritos como birras. “Vou ter uma eterna saudade mesmo até das pequenas birras que existiram”, disse a cantora à TSF, recordando que estiveram juntas pela última vez há dez anos, aquando do espetáculo de 50 anos de carreira de Simone de Oliveira.

Parar sem mágoas

António Fortuna foi agente artístico em Portugal de Madalena Iglésias a partir de 1969, ano em que a cantora concorreu pela última vez ao Festival da Canção com o tema “Canção para um Poeta”, que a empurrou para sexto lugar. Ficaram amigos desde então e António recorda Madalena como uma mulher muito “assertiva” e “organizada” mas, acima de tudo, “uma verdadeira artista, uma cidadã e uma pessoa muito bonita, cheia de sentimentos, que se preocupava com os que lhe eram próximos”.

António afirma que a decisão de Madalena abandonar a carreira foi pensada e que não lhe deixou mágoa. “Ela dizia: ‘Se não me casar e parar agora, nunca mais páro’”, recorda o amigo, sublinhando que, além do casamento, punha as crianças em primeiro lugar. “Adorava crianças, era o sonho da vida dela”, diz ao i.

E parou, em 1972, pouco depois de se casar e de se mudar para a Venezuela. “Ainda me lembro de cantar grávida de oito meses da minha filha, na televisão da Venezuela, e pedir para não me focarem aquele barrigão”, disse a cantora na mesma entrevista à Lusa, em que admitia que, ainda antes do casamento, já estava farta da vida de aviões e de quartos de hotéis, para onde levava “quilos de pautas”. 

Em 1987, muda-se com o marido e os dois filhos para Barcelona. Mas sempre se sentiu portuguesa. “Nunca esqueceu o seu país, voltava duas ou três vezes por ano. Sentia-se completamente portuguesa”, afirma António, recordando que a amiga ainda mantinha casa no Lumiar.

O país também nunca a esqueceu. Em 2012, a Câmara Municipal de Lisboa fez-lhe um busto, em Benfica. Em 2013, recebeu a a Medalha Pro-Autor, da Sociedade Portuguesa de Autores. E em 2014 foi homenageada no Casino da Figueira da Foz.

As cerimónias fúnebres realizam-se hoje, no cemitério de Collserola. Mas António Fortuna acredita que os restos mortais de Madalena Iglésias possam, eventualmente, voltar à cidade que era dela.