Fizz. Orlando Figueira: “Andei desde 2012 a 2015 a correr atrás da cenoura”

Antigo magistrado garante que Manuel Vicente está fora deste caso e volta a insistir que foi o banqueiro Carlos Silva que o convidou para sair do DCIAP, mas que nunca cumpriu o que tinha acordado. Defesa quer que tribunal analise a faturação do seu telemóvel para que fiquem provados contactos com Proença de Carvalho, advogado…

O antigo procurador Orlando Figueira admitiu hoje em tribunal ter praticado crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal ao receber dinheiro numa conta em Andorra, assegurando que em 2015, quando foi informado de que estava ser investigado, quis pôr um ponto final na situação pedindo que o presidente do Banco Privado do Atlântico Carlos Silva pagasse, como estava contratualizado, os impostos em falta.

Segundo o antigo magistrado acusado de ser corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente, Carlos Silva só aceitou pagar esses impostos (Orlando entregou uma declaração retificativa), porque o arguido alertou para o facto de que se fosse considerado autor do crime, Carlos Silva seria o coautor.

Durante o dia de hoje, o arguido voltou a dizer que não falou a verdade no primeiro interrogatório, omitindo os nomes de Carlos Silva, Daniel Proença de Carvalho e a identificação da conta de Andorra, devido a um contrato de cavalheiros que tinha feito com o advogado Proença de Carvalho. Para provar contactos com o conhecido advogado, a defesa solicitou hoje a junção da faturação detalhada telefónica, alargando-se o periodo desde 2012 até 2015 e o registo das entradas e saídas no Millenium/BCP.

Manuel Vicente sem influência neste caso

Orlando Figueira diz que Manuel Vicente nada tem a ver com este caso e começou até por justificar que a 10 de fevereiro de 2014 o Millenium BCP fez uma participação de Manuel Vicente e Armindo Pires por suspeitas de branqueamento de capitais, tendo tido o seu consentimento, na altura o antigo magistrado estava a trabalhar no compliance do banco (entidade na qual, segundo disse, Manuel Vicente não tinha qualquer poder).

“Não compreendo como é que o eng. Manuel Vicente é o todo poderoso, que me corrompeu, eu faço acordo com ele e com Armindo Pires [referindo-se à versão da acusação] e depois estou no Compliance do Millenium BCP e aprovo isto. Aconteceu, porque foi o dr. Carlos Silva que me pôs lá”, afirmou.

“Dentro de um oceano com vários peixes, foram escolher um carapauzinho”, chegou a dizer perante o coletivo, criticando o facto de o MP associar a Manuel Vicente todos os factos na acusação.

Os incumprimentos após sair do DCIAP

Segundo o arguido, de setembro de 2012 a agosto de 2013 tinha o salário pago pela caução de um ano que lhe foi tranferida antes de começar a trabalhar. Após agosto de 2013, o antigo magistrado diz ter tentado perceber a sua situação e no final desse ano foi ter com o administrador do Millenium BCP Iglesias Soares, tendo percebido que ele não sabia o que se estava a passar.

Dado ser já fim do ano, perto das férias de Natal, Iglésias Soares empurrou o assunto para janeiro de 2014: “Nessa altura, o doutor Iglesias Soares tinha falado com Carlos Silva e este disse-lhe que ia enviar um emissário, com quem celebro em março de 2014 o contrato definitivo”.

E o que chegou do lado de Carlos Silva foi que, como os impostos eram da sua responsabilidade, Orlando Figueira tinha uma conta em Andorra: “O que fiz. Foi uma exigência de Carlos Silva”. Mas, diz, os impostos não foram pagos pelo banqueiro.

Figueira adianta que a 27 março de 2015 soube pelo administrador do Millenium/BCP Iglésias Soares que estava a ser investigado por branqueamento de capitais e fraude fiscal. Nessa altura continuava sem notícias da sua ida para Angola como inicialmente acordado.

“Foi um grande murro no estômago, fiquei uns bons dias sem dormir. Fiquei dois dias a ruminar naquilo e depois fui ao doutor Iglésias e disse que só via na situação dois crimes: fraude fiscal e branqueamento. Isto, pelo dinheiro que recebi na conta de Andorra e disse-lhe: ‘Mas olha, se eu sou o autor, o Carlos Silva é coautor’”, conta, afirmando: “E isso foi o que o assustou, não foi por mim [que Carlos Silva nessa altura decide adiantar dinheiro para liquidar impostos em falta], foi pela coautoria de Carlos Silva”.

Além dessa advertência, Orlando Figueira, disse ao mesmo administrador daquele banco estar desesperado, “farto da palhaçada com Carlos Silva” e disposto a pedir uma audiência à Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal.

Reunião com Proença e dúvidas do coletivo

Nessa sequência, Orlando Figueira conta que teve a primeira reunião com Proença de Carvalho em abril: “Eu disse estar farto e ele disse que estávamos lá era para tratar do futuro. Disse-me que só havia fraude fiscal e branqueamento e que pagando impostos ficava tudo sanado e disse para eu entregar uma declaração retificativa”.

Sobre os impostos relativos ao recebimento de 210 mil dólares na conta de Andorra em falta, o coletivo questionou o porquê de Orlando Figueira, como magistrado que diz ser sério, não ter pago ao fisco, mesmo que tal tivesse sido combinado que cabiam a Carlos Silva.

O antigo magistrado diz que em causa estavam 89 mil euros de impostos com juros. Tinha dinheiro, mas considerou que era uma obrigação que não racaía sobre si: “Eu ir pagar impostos que não me pertenciam, já sabe…”

Porque não falou antes?

“Eu andei desde 2012 a 2015 a correr atrás da cenoura. E nos últimos tempos estive sempre condicionado para não falar no nome de Daniel Proença de Carvalho, Carlos Silva e na conta de Andorra”, conclui Orlando Figueira, lembrando que lhe pediram para mentir no caso Fizz e que nessa altura ele já estava encurralado.

“Cerca de 15 dias depois de estar preso, tive uma reunião com o doutor Paulo Sá e Cunha e contei-lhe o que tinha falado com o doutor Daniel Proença de Carvalho. Na reunião seguinte, o doutor Paulo Sá e Cunha disse-me que o doutor Proença de Carvalho asseguraria o pagamento da minha defesa”, disse Orlando ao coletivo, adiantando que ainda lhe foi assegurado “um emprego e que o dr Carlos Silva iria explicar tudo, que era um mal entendido e ia ser resolvido”.

Orlando Figueira adianta que estava numa situação frágil: “Eu estava com a minha vida destruida e estava manietado: Vou ser advogado onde? Vou ser magistrado onde?”

O coletivo questionou por diversas vezes o arguido sobre quais os motivos que poderiam levar Carlos Silva a querer esconder a sua contratação, uma vez que segundo o antigo magistrado a mesma não tem nada de ilegal. De acordo com Orlando a postura do banqueiro justifica-se “com o medo da comunicação social”. Orlando Figueira diz que Carlos Silva é um homem “medroso”: “Só por medo ele pode ter deixado um inocente preso, um chefe de estado com o nome enlameado e as relações dos dois países a deteriorizarem-se”.

Por diversas vezes, o juiz presidente do coletivo, Alfredo Costa, alertou o antigo magistrado para falar só sobre factos. O arguido aproveitou para lançar novas críticas à investigação: “Se for para falar de factos ficava calado, porque não há factos na acusação”.

A ingenuidade mostrada por um antigo procurador que investigava grandes casos de crimes económicos também provocou alguma estupefação no coletivo: “Como é que é possível? E nem encontra razão para que tal tenha acontecido desta forma”.