Sporting. Comentadores ignoram mandamentos de Bruno

Só Manuel Fernandes – funcionário dos leões – quer ainda falar com o presidente do clube antes de decidir se permanece no programa onde habitualmente comenta a atualidade desportiva

Os polémicos apelos de Bruno de Carvalho após a aprovação esmagadora dos três pontos da ordem de trabalhos na última Assembleia-Geral do Sporting, no sábado, continuam a fazer mossa na opinião pública. Aplausos de um lado, gritos de “anti-democrático” e “atentatório contra a liberdade de imprensa” do outro. Para já, em relação aos comentadores afetos ao clube leonino nos vários canais de televisão, os mandamentos do presidente sportinguista parecem ter caído em saco roto: em 11 nomes, só Manuel Fernandes – o único que é simultaneamente comentador e funcionário do clube – admite ter hoje uma conversa com Bruno de Carvalho e só depois decidir sobre a continuidade no programa “Play-off”, da SIC Notícias. “Naturalmente que vou ouvir o presidente do Sporting. Vou ver as razões dele e depois transmito no próximo programa. Mas é uma decisão minha, unicamente uma decisão minha”, atirou o antigo avançado e também treinador dos leões, justificando desta forma os apelos de Bruno de Carvalho ao boicote dos sportinguistas a todos os meios de comunicação social que não os oficiais do Sporting: “Ele quer acabar com a gozação e com as ofensas que fazem ao presidente do Sporting”.

José de Pina (“Prolongamento”, TVI24), Augusto Inácio (“Trio D’Ataque”, RTP3) e Octávio Machado (“Golos”, CMTV) deixaram desde logo bem expressa a sua posição nos programas onde comentam regularmente. “Percebo perfeitamente o apelo, mas o meu trabalho e a essência da minha vida é a criatividade, a liberdade e o pensamento próprio. Eu só passo recibos verdes à minha consciência e à minha liberdade. Se renunciar a isto, estou a renunciar à minha profissão e ao meu trabalho. Sou eu que decido os programas em que participo ou não. Não concordo com tudo o que o presidente diz, e neste caso não concordo”, disse José Pina, co-fundador das Produções Fictícias e guionista.

Augusto Inácio adotou o mesmo discurso. “Eu não sou comentador do Sporting, sou comentador desportivo. Sou um comentador independente, sou um comentador livre. Nunca recebi cartilhas, recados. Ajo pela minha cabeça, não pela cabeça dos outros”, realçou o também antigo jogador e treinador do Sporting, que chegou a desempenhar funções diretivas no clube já durante a presidência de Bruno de Carvalho.

Mais contundente, como é seu apanágio, foi Octávio Machado, que entre 2015 e 2017 foi diretor-geral da SAD leonina para a área desportiva. “Não confundo o Bruno de Carvalho com o Sporting. O Sporting é a instituição, essa é que é intocável! A militância agora é não ver os programas, isso é que é militância! Não é ir ao estádio, aplaudir a equipa… Não, isso não é militância. Isso até podem não ir! Portanto, é não assistirem aos canais, não verem televisão e não sei quê. Os sportinguistas agora a conviverem num banco, aqueles mais idosos, tenham cuidado! Pode alguém ver que estão a ler ‘A Bola’, o ‘Correio da Manhã’ ou o ‘Record’, e depois é um problema. Podem levar um processo disciplinar, porque não obedeceram ao grande líder. Isto viola todos os princípios e é uma decisão que pode custar caro ao Sporting, porque ao boicotar as audiências, está a boicotar os patrocinadores e os investidores, que vivem da publicidade das marcas. Estou expectante para ver os prejuízos. Ninguém pode ou deve tentar pôr-se acima do clube. Não sei se vou ser atirado aos cães ou não, nem me importo, porque sou muito duro de roer. Somos pessoas livres”, referiu o antigo técnico leonino, que entrou em confronto com o presidente do Sporting no verão passado.

Jaime Mourão Ferreira, Hélder Amaral, Carlos Anjos e Fernando Mendes (CMTV), António Macedo e Luís Marques (SPORT TV) e Paulo Andrade (SIC Notícias) também não irão acatar os apelos de Bruno de Carvalho. “Nem o meu pai me diz o que posso ler, ver ou ouvir, quanto mais o presidente”, disse Carlos Anjos ao “Record”. À mesma publicação, Fernando Mendes, antigo internacional formado no Sporting, garantiu acreditar que tudo não passou de uma “reação no calor do momento”. “Vou continuar, pois sempre agi livremente”, prometeu.

Irresponsabilidade e cobardia Perante todo este cenário, o i ouviu Pedro Madeira Rodrigues, candidato derrotado nas eleições do ano passado. O ex-secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa considera que os resultados foram “conclusivos e reveladores da vontade dos quase 6 mil sportinguistas que se deslocaram à AG”, mas acredita, curiosamente, que Bruno de Carvalho “saiu derrotado” de todo o processo.

“Há quem questione a contagem, mas isso não ajuda agora o Sporting. Temos de respeitar a vontade dos sócios, já sofremos muito no passado com essas dúvidas. No entanto, é preciso sublinhar que o Sporting é um universo de três milhões de simpatizantes e eu acredito que a esmagadora maioria não gostou de tudo o que se passou e que vai ter muito menos tolerância em relação aos resultados desportivos a partir de agora. Bruno de Carvalho esticou a corda de forma totalmente inesperada, criou um problema desnecessário e passou um atestado de menoridade a todos os sportinguistas”, realça.

Madeira Rodrigues considera ainda de uma “irresponsabilidade total” o discurso de “incitamento à violência” de Bruno de Carvalho para com os profissionais de comunicação social. “Aquele tipo de discurso pode pôr em causa a integridade física das pessoas. É um claro incentivo à violência, uma irresponsabilidade e uma cobardia. Só peço que a comunicação social não confunda o Sporting com o seu presidente e não nos trate pior por causa de tudo isto”, sentencia.