Espanha. Censurada em Madrid, recebida em festa na Catalunha

A obra “Presos Políticos na Espanha Contemporânea” foi comprada por um magnata catalão que a ofereceu ao Museu de Lleida.

A mais recente obra do artista espanhol Santiago Sierra descreveu esta semana um percurso quase poético e será agora exposta no seio do independentismo reprimido que em parte descreve.

A série de 24 fotografias pixelizadas que identificam o mesmo número de pessoas presas por comentários, ações ou alinhamentos políticos que os tribunais espanhóis consideraram inaceitáveis, intitulada “Presos Políticos na Espanha Contemporânea”, apenas esteve algumas horas nas paredes do stand da galeria Helga Alvear, da ARCO de Madrid.

Os organizadores julgaram-na demasiado polémica – segundo dizem –, retiraram-na sem aviso, viram-se duramente criticados e acusados de censura, caíram nas más graças da imprensa internacional e, tiro pela culatra, provaram a crítica de Sierra. “É uma forma de nos dar as boas-vindas à era medieval, agora que pensamos que somos um país avançado”, afirmou esta quinta-feira o artista espanhol, que alterou as fotografias das detenções de políticos indesejáveis: anarquistas, independentistas catalães e bascos ou músicos condenados por “apologia ao terrorismo”.

A reviravolta deu-se de surpresa, ao revelar-se que o conhecido magnata catalão do audiovisual Tatxo Benet comprou a obra de Sierra por 80 mil euros e ofereceu-a ao mesmo museu que, nestes meses em que Madrid controla a pasta da Cultura catalã, se viu envolvido numa polémica troca de obras de arte com outro museu que há muito lhe reivindicava a arte sacra do Mosteiro de Sijena.

Mariano Rajoy aproveitou então o art.o 155 e estar aos comandos do governo catalão para tirar as peças de Sijena do Museu de Lleida e enviá-las para Huesca. Tatxo Benet assegura-se agora de que Lleida tem de novo uma exposição: “Presos Políticos na Espanha Contemporânea.”

“Mais que oportunismo, é uma oportunidade”, reagia esta quinta-feira o diretor do museu, que em setembro foi o epicentro da contestação cultural independentista na Catalunha. “Se alguém te oferece uma obra que está no centro da polémica, não podes dizer que não”, prosseguiu, em declarações ao “El País”. “Se um museu como o nosso tem a aspiração de ser o referente histórico da cidade e cobrir o espetro que vai desde a Antiguidade até ao séc. xxi, não pode renunciar a uma oferta como a que nos fez Taxto Benet, que é de Lleida.”

A compra não poupa um duro embaraço político a Madrid, que se vê ainda mais envolvida na discussão sobre a censura de Estado numa semana em que o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a pena de três anos de prisão ao jovem rapper José Miguel Arenas, que escreveu canções sobre os casos de corrupção da monarquia espanhola, e dois dias depois de um alcaide da Galiza ter conseguido suspender a publicação do livro “Fariña”, que descreve o tráfico de droga no norte de Espanha.

A IFEMA, entidade pública que organiza a ARCO, publicou esta quinta um comunicado pedindo desculpa pelo sucedido, no qual, porém, não se comprometeu a retomar a exposição em Madrid.

“Não houve má-fé nesta ação e aceitamos as críticas recebidas”, disse a IFEMA momentos depois de a presidente da Câmara de Madrid, Manuela Carmena, coligada com o Podemos, se ter recusado a assistir à inauguração do stand da galeria Helga Alvear.