A Autoridade Tributária (AT) está a disponibilizar à GNR dados sobre proprietários de terrenos. É com base nesta informação que a GNR tem já um cadastro dos terrenos que têm de ser limpos e será com os dados da AT que os militares irão a partir de dia 16 notificar e multar os proprietários que não limpem as suas terras, disse ao SOL o diretor do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR.
Para que isso aconteça, revela Vítor Caeiro, será assinado «muito em breve» um protocolo entre os ministérios das Finanças e da Administração Interna, para criar uma plataforma na internet através da qual a GNR poderá consultar os dados dos proprietários, para que, se for caso disso, os possa contactar e passar autos de contraordenação, que vão também ficar registados nesse banco de dados. Será com base neste registo que, posteriormente e caso as coimas não sejam pagas pelos proprietários, a AT vai ter informação para executar cobranças coercivas.
Na plataforma vão constar dados como nome e morada dos proprietários, além da descrição do terreno, explicou ainda Vítor Caeiro. No entanto, de acordo com o site da Comissão Nacional da Proteção de Dados, até ao fecho desta edição não foi emitido qualquer parecer sobre o envio de dados pessoais dos proprietários pela AT à GNR. Questionados pelo SOL, os ministérios das Finanças e da Administração Interna não responderam a perguntas sobre este assunto.
Recorde-se que, na semana passada, surgiram dúvidas quanto à legalidade do uso pela AT de dados pessoais dos contribuintes para enviar informação que não é do foro fiscal. Em causa um email enviado pelo Fisco a alertar para a limpeza dos terrenos, lembrando os valores das coimas que serão aplicadas.
A Comissão de Proteção de Dados, citada pela Lusa, considera mais seguro ser a Autoridade Tributária a enviar aos contribuintes a informação sobre a limpeza de terrenos do que fornecer os emails a outras entidades. No entanto, apesar de o uso de dados da AT estar previsto na lei 77/2017, a entidade fiscalizadora avisa que deveria ter sido consultada previamente.
Prazo está a acabar
A lei prevê que, até 15 de março, todos os proprietários, arrendatários ou exploradores de terrenos agrícolas limpem as terras numa faixa mínima de 50 metros à volta de edifícios inseridos em espaços rurais ou florestais. É o caso de habitações, parques de campismo, estaleiros, armazéns, oficinas ou fábricas.
No caso de aglomerados populacionais com dez ou mais casas, o limite da faixa de segurança (terreno que tem de estar limpo) sobe para os cem metros. No caso de habitações, a regra a aplicar é cortar pinheiros ou eucaliptos a menos de cinco metros das casas. Árvores destas espécies que estejam a 50 metros das casas têm de ter uma distância mínima de dez metros entre copas. No caso de outras espécies, a distância mínima entre copas é de quatro metros.
A exceção, de acordo com a lei, são árvores de fruto, que não precisam de ser cortadas, assim como pinhais cuidados ou árvores podadas e que cumpram as distâncias mínimas entre as copas.
Estas regras são para ser cumpridas por proprietários particulares, empresas, autarquias e até mesmo pelo Estado, sob pena de serem aplicadas multas que este ano sobem para o dobro. Desta forma, vão oscilar entre os 280 euros e os dez mil euros no caso de um proprietário singular e os três mil euros e 120 mil euros para pessoas coletivas.
Em Portugal não há muitas empresas que atuem na limpeza de mato e desde que o Governo impôs estas medidas os preços praticados dispararam para o dobro, de acordo com vários autarcas ouvidos pelo i. Em Viseu, por exemplo, a limpeza por cada hectare atinge valores entre os 1500 e os dois mil euros. Antes custava 900 euros, exemplifica o presidente da câmara de Viseu, Almeida Henriques.
O que acontece depois de 15 de março?
Terminado o prazo para a limpeza de terrenos, a GNR vai andar no terreno a confirmar se as regras foram cumpridas ou não. «A partir de 15 de março vamos ter de revisitar os terrenos identificados, ver o que foi feito e o que não foi feito», explicou o diretor da SEPNA. «Vamos aconselhar as pessoas e utilizar todo o bom senso mas também teremos de atuar» diz ainda Vítor Caeiro, lembrando que, «o que a lei nos impõe, é o levantamento de auto de contraordenação».
Antes de aplicar a coima, os proprietários são notificados pela GNR, tendo cinco dias para regularizar a situação. Ou seja é-lhes dada uma segunda hipótese para garantir a limpeza do terreno. Caso o incumprimento persista, é aplicada a coima que será registada na futura plataforma. A partir da data da coima a GNR tem 48 horas para informar a autarquia da área do terreno que não foi limpo.
E a partir daí a responsabilidade passa a ser das 308 câmaras municipais, que têm até 31 de maio para limpar todos os terrenos que não foram limpos pelos proprietários, sob pena de, logo em junho, perderem 20% da verba mensal transferida do Fundo de Equilíbrio Financeiro.
Para o período de fiscalização da GNR foram definidos dois prazos: entre 16 de março e 30 de abril serão passados a pente fino terrenos em freguesias com maior risco de incêndio (classificadas como 1.ª prioridade). Dentro destes critérios estão 710 de 1049 freguesias onde há terrenos que ficam junto a linhas de transporte e de distribuição de energia elétrica em muito alta tensão e em alta tensão e da rede de gás natural. São ainda prioritários terrenos junto a parques de campismo e a parques industriais.
A partir de 1 de maio, e até ao final desse mês, a GNR vai verificar as condições dos terrenos que representam perigo de incêndio à escala municipal.
Estas regras e prazos estão a gerar alguma polémica: os municípios alegam a falta de meios humanos, de maquinaria e de tempo para limpar todos os terrenos. O presidente da Associação Nacional dos Municípios, Manuel Machado, assim como vários autarcas, já avisou o Governo de que «vai ser impossível cumprir o prazo» e as câmaras admitem pedir apoio a militares e bombeiros. Repto que o presidente da Liga dos Bombeiros, Jaime Marta Soares rejeita, frisando não ser essa «a função dos bombeiros».
Cabe aos proprietários em incumprimento o pagamento da limpeza realizada pela autarquia. No caso de não terem como pagar, as câmaras podem vender a lenha que resulta da limpeza e arrecadar essa receita. Caso o valor não seja suficiente para cobrir a despesa, será realizada a cobrança coerciva – e o processo estará todo centralizado na plataforma.
Para que as câmaras avancem com a limpeza dos terrenos, o Governo criou uma linha de crédito de 50 milhões de euros disponíveis para as 308 autarquias, sobre os quais serão cobrados juros de mora sobre o valor do crédito. Também para agilizar o processo as câmaras podem contratar empresas de limpeza através de ajustes diretos. O objetivo de toda a estratégia foi deixado claro esta semana por António Costa: «Não quero voltar a passar um verão como o último que passei».