Systema. O filósofo da luta que veio do frio

Stefan de Moncada é licenciado em Filosofia e tem um mestrado sobre budismo. O seu caminho para o Systema também foi por descobertas: começou no kung fu, treinou aikido, pratica jiu-jitsu e encontrou o systema. É instrutor certificado desde 2014. Conta-nos essa educação do corpo e do espírito

O systema não é uma arte marcial igual às outras. Todas são diferentes, claro, mas esta não respeita a habitual sequência do treino, em que há um aquecimento, um conjunto de técnicas e uma espécie de combate controlado, alongamentos e fim. No systema, a respiração e a flexibilidade são treinadas como componente principal. As técnicas parecem inserir-se numa resposta “normal” do corpo perante uma situação adversa. Aquilo que se ensina ao praticante é a baixar os níveis de medo e tentar estar o melhor possível na sua pele.

No seminário de Andreas Weitzel, os praticantes concentram-se num conjunto de técnicas, que nunca são executadas exatamente da mesma maneira, em que se para a progressão de um adversária com um pontapé na canela. Aqui é frequente, quando não se consegue atingir os pontos mais sensíveis da cabeça, do tronco e dos testículos, ir moendo os braços e pernas do oponente.

Como explica o instrutor alemão, filho de um membro das forças de segurança da finada RDA e nascido na também extinta União Soviética, “no systema ensina-se o que se pretende, não como fazer – isso cabe à pessoa, em função das circunstâncias, escolher como executa”. A respiração, a permanente mobilidade e baixar e controlar o medo são as chaves da arte marcial russa. Quando pergunto ao instrutor alemão o que distingue desse ponto de vista o systema do krav maga israelita, ele diz-me que talvez, para além de muitas coisas, a relação com o medo: “No krav maga ultrapassamos o medo com a agressão; no systema, antes de tudo, a ideia é controlarmos e baixarmos o medo.”

Andreas Weitzel vai explicando as coisas com o instrutor português Stefan de Moncada. Este descobriu o systema por um caminho que começou em Platão. Confuso? Vamos explicar. Stefan tinha 17 anos quando descobriu a filosofia. “Quando descobri Platão e companhia, pensei que isso ia trazer alguma paz à minha vida”, diz a rir. Tirou licenciatura na Faculdade de Letras de Lisboa e, ao mesmo tempo, começou a treinar aikido. Lá conheceu um monge zen que tinha na altura 60 anos. “Fui treinando com ele e descobrindo a prática da meditação, foi também com ele que descobri o systema. E aquilo que procurava na filosofia vim a encontrar no budismo zen, e mais tarde fui fazer um mestrado com uma tese sobre o budismo. Procurava encontrar algum sentido nas coisas. A filosofia ajudou muito, mas o budismo ainda mais.” Foi por isso que, para além de filosofia, passou o tempo a ler outros pensadores menos eurocêntricos. “Fui tirar o mestrado na Nova porque eles eram dos poucos que tentavam dar pensadores de fora do pensamento ocidental.” O seu orientador da tese foi António Caeiro, especializado em Aristóteles. “Eu ia com alguns conceitos budistas e ele ia tentar fazer a ponte com conceitos ocidentais.”

Apesar disso, não se considera um crente no budismo “Sou apenas um simpatizante”, diz, bem-disposto. “Não sou crente numa transcendência. Os meus pais são católicos, mas eu preciso do budismo apenas como instrumento de fazer um balanço daquilo que faço.”

Começou aos 14 anos no kung fu, aos 17 “assentou”, como diz, no aikido. O irmão teve um percurso semelhante: começou no kung fu, emigrou para o Canadá, onde treinou systema, mas onde se fixou foi no jiu-jitsu brasileiro – arte que o irmão Stefan também pratica.

“As artes marciais dependem da nossa motivação: quando queremos ser bons numa arte, não nos interessa a aplicação real. Mas se isso nos interessa, temos de encontrar desafios. Eu, com o meu irmão, saí da minha zona de conforto, fui ao chão, e percebi que aí não dominava nada. E por isso decidi investigar e fazer jiu-jitsu.” No aikido não há luta, há uma colaboração. “Tantos cinturões negros que eu conheci, que vão para uma outra situação e não sabem o que fazer. Por isso é que o systema é tão interessante, porque envolve várias dinâmicas: as da colaboração, mas também as da resistência à técnica. Podemos ir variando o grau de dificuldade.”

Stefan começou a treinar systema com o monge zen. Viam na internet e iam treinar como podiam. Em 2012 e 2013 veio a Portugal um instrutor de França e pôde ver se o que estava a fazer estava certo. “Em 2014 fui para o Canadá treinar com o Vladimir Vasiliev e com o Mikhail Ryabko [os dois principais instrutores de systema] e continuo a ir a seminários europeus, e foi aí que conheci o Andreas Weitzel.”

Antes do fim da União Soviética, o systema era considerado um segredo militar. Mesmo a maioria das forças especiais não treinava systema, mas sambo de combate; só poucas o faziam. Pela mão de Vladimir Vasiliev, que emigrou para o Canadá, o systema foi-se praticando em mais países.

Oficialmente, só existe a escola Systema Lisboa desde 2014. A arte está em Portugal há pouco tempo. É muito complicada e demora tempo a compreender. Stefan nunca andou à pancada. “A primeira coisa que o Vladimir me disse foi ‘you are too nice’.” (risos) Só usei na vida real para me acalmar. Embora, como diz o Vladimir, o systema é saber fazer o que deve ser feito. O Ryabko costuma dizer que temos de ser profissionais. O que nos leva à ideia de que não devemos ter emoções e não ter medo de magoar e de ser magoado. É nisso que se concentram os treinos.

Sstema – Terças e quintas das 20 horas às 21h30 no Estádio Universitário, segundas, terças e quintas à hora do almoço e sexta às 18 horas no Dojo de Benfica 

Andreas Weitzel. O fundador e diretor da Systema Academy Weitzel nasceu em 1974 e começou a treinar ainda era criança. O seu primeiro mestre foi o pai, Waldemar Weitzel, que lhe ensinou técnicas simples de judo, sambo, boxe e karate. Aos oito anos começou a praticar luta greco-romana. Nos 15 anos seguintes experimentou um enorme número de artes marciais, tendo ensinado também algumas delas. Andreas Weitzel praticou sambo e judo, boxe e karate, kung fu e ninjutsu. Graduado em esdo, foi duas vezes campeão alemão dessa arte marcial. Para além dessas disciplinas também praticou aikido, jiu-Jitsu, kickboxing, BJJ, jeet kune do e kali. Como nos confessou, esta necessidade de treinar muitas coisas advinha de não se sentir completo com o que treinava: “Comecei no judo, havia projeções e luta no chão, mas não havia murros nem pontapés; passei para o boxe: tinha murros, mas não tinha pontapés; fiz karate, tinha murros e pontapés, mas era demasiado fixo com técnicas de katas, sentia que não funcionaria da mesma maneira na rua, até que encontrei o systema que, com as suas características próprias e o facto de não ter técnicas fixas, é algo que eu acho completo e que faz uma totalidade”, defende. 

Em 1997, Andreas Weitzel começou a estudar a outra arte marcial russa, para além do sambo: systema. Ficou muito interessado, tanto que no final de 1997 resolveu fundar a sua própria academia para dar systema. Apesar disso, durante algum tempo, Andreas Weitzel continuou também a ensinar esdo, sambo e systema na sua escola. 

Só depois de avançar no estudo desta arte marcial russa se resolveu concentrar na prática e no ensino do systema. Tirou vários certificados de instrutor e de representante do systema na Europa e passou uma série de exames que lhe permitem ensinar e treinar outros instrutores de systema.

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