Empresas sem mãos para limpar terrenos

Empresas habilitadas para a poda de árvores e limpeza de vegetação dizem que há falta de pessoal especializado e que não conseguem reforçar as equipas. Terrenos estão em mau estado: alguns não são limpos há dez anos. 

As empresas especializadas em limpezas de terrenos agrícolas dizem não ter como dar resposta a todas as solicitações, mesmo com os novos prazos determinados esta semana pelo Governo e que apontam agora o final do mês de maio para estar tudo limpo sem serem aplicadas multas. Por um lado, o número de pedidos aumentou para mais do dobro face ao ano passado e o mau estado dos terrenos leva a que a limpeza seja demorada. Por outro, as empresas não têm os trabalhadores necessários para dar resposta aos pedidos.

Estas são duas das principais razões apontadas por várias empresas do setor agroflorestal ouvidas pelo SOL. «Há muita coisa por fazer e não vamos conseguir, nem nós e nem  as outras empresas, fazer tudo num ano, como se pretende, muito menos até às datas que estão previstas», alertou ao SOL, João Mendonça, sócio-gerente da empresa Abade e Mendonça, que tem portas abertas em Castelo Branco. 

O aumento, face ao ano passado, do número de pedidos para a poda de árvores e limpeza de vegetação «é evidente» para várias empresas do setor. «Se fechasse os contratos com todos os contactos que tenho recebido ficava lotado para o resto do ano», remata João Mendonça. 

Mas, além do número avultado de pedidos de limpeza de terrenos, há ainda outro problema apontado pelas empresas: a falta de pessoal especializado. «Não se encontra trabalhadores especializados nesta área», diz ao SOL, Álvaro Martins, sócio-gerente da empresa Corta-Árvores. Com três trabalhadores, a empresa criada em Torres Vedras há nove anos, diz ter agendada a limpeza de «30 mil metros» de terreno até 15 de abril. Com este cenário, Álvaro Martins confessa que «podia aceitar mais pedidos, mas não vale a pena, vou estar a enganar as pessoas». Não conseguiria responder a todos os contactos. 

Também na empresa CPL – Serviços de Plantação e Limpezas Florestais há falta de pessoal especializado. «Sentimos necessidade de contratar trabalhadores mas não conseguimos porque não há», alerta Alberto Pereira, gerente da firma com 27 funcionários. «Há falta de pessoal que queira trabalhar nesta área porque é um trabalho esforçado e que exige andar à chuva e ao sol. Por isso, preferem ir trabalhar para uma fábrica», refere ainda Alberto Pereira. E o mesmo acontece na Abade e Mendonça, com João Mendonça a dizer que tem «bastante dificuldade» em contratar funcionários, lembrando que no ano passado tinha 15 trabalhadores e agora tem onze. 

De acordo com o decreto-lei do Governo que dá tolerância à cobrança de multas pela falta de limpeza dos terrenos, a GNR vai arrancar com a fase de fiscalização a partir de 1 de abril. 

A partir dessa data, todos os proprietários, arrendatários ou exploradores agrícolas que estejam em situação de incumprimento serão alvo de contraordenação. No entanto, caso os donos dos terrenos tenham a limpeza agendada, a multa fica em suspenso até 31 de maio. E caso o proprietário ou arrendatário limpar o terreno até essa data, a multa será anulada. 

Empresas passam comprovativos 

Mas, para que a multa fique em suspenso, os responsáveis pelas terras têm de apresentar à GNR comprovativos em como a limpeza está marcada. Por isso, as empresas ouvidas pelo SOL, estão a dar aos proprietários documentos, que vão desde faturas a contratos ou  declarações, que provem a marcação da limpeza.

Das empresas contactadas, nenhuma consegue agendar trabalhos para este mês, sendo que a data mais breve é de 8 de abril, na Abade e Mendonça. O sócio-gerente da empresa diz que «desde dia 20 de fevereiro que já não garantia às pessoas que ia conseguir executar os serviços até dia 15 de março», a data limite até aqui.  

Na Corta-Árvores, o sócio-gerente diz que já não está «a responder a emails que chegam pela página», já só está «a responder a pessoas que me contactam diretamente pelo telefone». E mesmo assim diz não conseguiu «responder a todos, com muita pena». Na empresa de Álvaro Martins só a partir de 15 de abril se consegue ter vaga para a limpeza de terrenos.

E, se procurar a empresa CPL, onde «no último mês e meio aumentou mais de cem pedidos de limpezas urgentes», não conseguirá uma vaga antes de dia 1 de maio, avisa o gerente Alberto Pereira.

Com a falta de resposta das empresas especializadas, há o risco de proprietários ou arrendatários   menos habilitados arregaçarem as mangas para fazerem a limpeza, de forma a evitar a contraordenação. E este é um cenário que pode levar a que «muita gente  acabe por morrer debaixo de tratores ou debaixo das árvores, porque as pessoas que não percebem do assunto vão acabar por limpar, para não serem multadas», alerta Álvaro Martins. 

Em média, para limpar um hectare, são necessários entre um a dois dias. E, no geral, o estado dos terrenos «é muito mau», apontam em uníssono as empresas.

Na região de Castelo Branco, onde funciona a Abade e Mendonça, «este problema começou há 30 ou 40 anos. No entanto, temos muita área florestal que nunca foi intervencionada desde que houve o último incêndio aqui na região, há onze anos. É um problema que não é fácil de se resolver», avisa João Mendonça. 

E o mesmo retrato é pintado por Alberto Pereira, da CPL, em Vouzela, no distrito de Viseu. «O estado dos terrenos é muito mau. Estamos a encontrar terrenos que não são limpos há mais de dez anos. São situações muito graves». 

O que mudou esta semana 

O Governo aprovou esta quinta-feira em Conselhos de Ministros vários decretos-lei com medidas para combater e prevenir os incêndios florestais. Um dos decretos permite a tolerância na instauração de contraordenações. Apesar de, oficialmente, os prazos se manterem, só a partir de dia 1 de abril a GNR vai fiscalizar a limpeza de terrenos. Ou seja, os proprietários ou arrendatários têm mais 15 dias (até 31 de março) para tratarem da limpeza das terras sem correrem o risco de multa. O prazo inicial terminava na última quinta-feira.

A decisão do Governo de dilatar os prazos foi tomada depois dos vários apelos das autarquias e das associações de proprietários para o «calendário apertado». Também o Presidente da República defendeu que devia haver «alguma elasticidade» no prazo para limpar os terrenos.  

Tal como o i avançou esta semana, a mudança de planos do Executivo teve ainda em conta as condições climatéricas que têm afetado o país desde a semana passada e que têm impedido muitos proprietários de fazer a limpeza. 

Apesar de conferir tolerância nas multas, o prazo final para que todos os terrenos fiquem limpos, de forma a evitar a cobrança de coimas, mantém-se e termina a 31 de maio.