Espanhóis em melhor posição para a ferrovia

CEO do Elevo Group afirma que o futuro passa pela tecnologia e sustentablidade. Desvantagem das empresas portuguesas em relação às espanholas é uma preocupação nos concursos para as grandes obras públicas.

O Grupo Elevo está nos lugares cimeiros do setor da construção em Portugal. É também um dos principais players a nível global, com presença em quase duas dezenas de países, mais de 4500 colaboradores e está em crescimento. Em entrevista ao SOL, Gilberto Rodrigues, presidente do Elevo Group, fala sobre o futuro da empresa e da construção, da procura constante da eficiência e da sustentabilidade. A legislação e a regulação são uma preocupação, uma vez que não dão resposta a um desequilíbrio que considera estar a prejudicar o setor e o país. 

«A construção é hoje um negócio muito pouco sofisticado, é um negócio que ainda se faz de uma forma muito tradicional e pouco desenvolvida», começa por dizer Gilberto Rodrigues, lembrando que, com a redução da escala das obras nos últimos anos, todo o «processo da sofisticação foi posto na gaveta» e as empresas mais pequenas continuaram «a esmagar preços e a usar o mesmo  o mesmo tipo de estratégia que é a mão-de-obra barata».

Plataformas de informação

No entanto, afirma, «a verdade é que hoje a construção, e a dimensão e a forma de encarar o futuro força a que haja novas estratégias», uma vez que «não se resolvem problemas do futuro com soluções do passado» o que obriga a que haja cada vez mais plataformas de informação onde se pode gerir com grande eficiência, e «na ponta do dedo», todas as operações. «Tem de haver uma integração total de todas as plataformas de comunicação para que não haja silos dentro das organizações em termos de informação», sentencia Gilberto Rodrigues, ao mesmo tempo que revela o recente investimento de 35 milhões de dólares em equipamento que permitará transmitir e fazer chegar a Lisboa informação dos diferentes sites em tempo real.

Segundo o CEO, «a  sustentabilidade do grupo passa sobretudo pela capacidade de ter recursos, humanos ou financeiros, e a capacidade de transformar esses recursos em produto de uma forma equilibrada e sustentável». 
Para o responsável, a única forma de o setor da construção deixar de ser mal visto é «ser um parceiro ou player cada vez mais tecnológico, em que as empresas, os clientes e a banca olhem para o setor como um upside e não como um downside». A resolução da «questão da eficiência passa muito pela capacidade de gerir em tempo real, em tempo útil, toda a informação que nós temos» de forma a mitigar riscos.

Esta gestão passa muito pela tecnologia, como, por exemplo, o Build Information Modeling  (BIM) – a representação digital das características físicas e funcionais de uma infraestrutura. 

«O efeito cumulativo de haver sistemas BIM associados ao planeamento, à formação, é poder em tempo real identificar a velocidade a que a obra ou a empresa está e poder definir uma estratégia para redução do risco», explica Gilberto Rodrigues, lembrando que, assim, permitirá ganhar eficiência.

Por outro lado, acrescenta, e face à falta de mão de obra qualificada, poder-se-á impulsionar «soluções de pré-fabricação ou de construção em que o 3D tem um papel importantíssimo». 

Falta de mão de obra 

De acordo com o responsável do Elevo Group , há «claramente» falta de mão de obra qualificada, fruto do crescimento deste setor e de outro setores dos serviços, que, aliado a uma saída dos recursos de Portugal, gerou uma situação em que «é preciso pessoas para trabalhar e não há». O empresário refere que as grandes empresas têm margens esmagadas e os subempreiteiros, que são quem hoje alimenta as obras, «têm  margens gordas» e tantas solicitações que se dão ao «direito de pedir o preço que entendem». A solução, aponta «é muito mais tecnologia, mais capacidade tecnológica» e o Elevo Group, nesta vertente, opera em duas matrizes: «Uma área ligada à tecnológica e outra à parte de sistemas». Na primeira, tem dois projetos já consagrados para desenvolver estradas inteligentes em regime florestal – um projeto «em que o pavimento comunica e numa situação em que pode haver um incêndio a própria estrada será a primeira a dar a informação» e um outro que passa por uma solução de produtos reciclados. «O grande drive nos próximos anos não vai ser construção, mas sim manutenção, reutilizar os materiais mais eficientes possíveis», diz Gilberto Rodrigues, para quem a a ideia de que o produto reciclado não é tão  bom como o novo é contrariada por um estudo que demonstra que este é «tão bom ou melhor e permite uma poupança brutal aos cofres do Estado e aos utilizadores das vias públicas». Sob o ponto de vista dos sistemas, o grupo está a desenvolver com parceiros mundiais  soluções para poder ter, no prazo de cinco anos, a empresa toda dentro de um registo de Indústria 4.0.

Salto quântico 

«A ideia aqui é dar um salto quântico e ficarmos em termos tecnológicos absolutamente updated», assevera o gestor, para quem «o facto de termos inteligência artificial associada ao nosso negócio vai permitir acabar com um conjunto de passos intermédios». Por exemplo, quando for preciso comprar alguma coisa, «a obra quase que comunica diretamente com o fornecedor. Não será preciso vir à parte central da empresa», o que «permitirá ter as coisas mais rápidas, mais bem negociadas, a uma escala maior». 

Com esta tecnologia, sustenta Gilberto Rordigues, «o perfil das pessoas da empresa também vai mudar» e esta vai ter «quadros mais analistas, quadros menos operacionais», porque há uma «parte da operação que passa a ser feita de uma forma mais automatizada». O CEO do Elevo  considera que há «um conjunto de profissões que hoje não são bem percecionadas e que passarão a ser as novas profissões das organizações»  e é para esse passo que as empresas devem estar preparadas.  «Nós estamos numa mutação permanente de tecnologia e de crescimento, e quem for capaz de o fazer e de acompanhar liderará neste mercado, quem não for ficará para trás», sentencia.

Outra questão definidora para o futuro do setor é a da regulação. «Pratica-se em Portugal uma política de preços baixos», diz Gilberto Rodrigues, o que faz com que as empresas de construção «continuem a viver na contratação pública com preços muito esmagados, num setor que não é nada unido, não tem uma voz forte e comum». 

Com o «investimento maciço que se está fazer com o turismo em Portugal», argumenta, «não é o setor da construção que está a beneficiar. É a imobiliária». Segundo o gestor, basta ver o crescimento do preço das casas e o preço da construção que não acompanha esse preço. «O mercado está desequilibrado e é preciso mais regulação para se perceber como se pode reequilibrar», à semelhança do que acontece nas nas obras de contratação pública, no qual «o referencial para a nova base é referencial dos preços baixos que se praticavam» na sequência da crise, o que faz com que «os concursos públicos venham com um preço base muito baixo e as empresas com um preço acima da base ficam desclassificadas». 
Para Gilberto Rodrigues, na questão das obras púbicas, o papel da legislação e da política é também «importantíssimo», já que um trabalho no Porto, ou em Viseu, ou em qualquer ponto do Alentejo, está à mesma distância para uma empresa de Madrid ou para uma empresa de Lisboa. 

Clara desvantagem 

«Quando nós olhamos para este fenómeno com este tipo de perspetiva, uma empresa espanhola tem IVA mais barato, tem condições para trabalho fora do país muito mais vantajosas», elabora, afirmando que as empresas portuguesas estão em clara desvantagem» e é por isso que se vê em muita contratação pública, de grande dimensão, «e a ferrovia é um bom exemplo, as empresas espanholas todas a posicionarem-se». 

A perspetiva de grandes obras públicas levou à aquisição do grupo Opway. Foi uma decisão «na altura, 100% estratégica. Foi perceber que iria existir um conjunto de obras de índole ferroviária e marítima» e, como «o grupo Elevo não tinha essa experiência», a Nacala – acionista – «decidiu comprar a Opway para reforçar essas valências».  

Para Gilberto Rodrigues, a legislação e a fiscalidade tornam a a indústria portuguesa menos eficiente e daí ser preciso «criar plataformas em que haja legislação que seja transversal, em especial a países vizinhos, para que não tenhamos de estar num registo de desequilíbrio». E isto «não é só para a construção, é para outras áreas».