De um dia para o outro ‘invadiram’ as ruas das principais cidades do país. No início, eram criticados pela poluição sonora e do ar, agora são-no por congestionarem o trânsito e os locais de estacionamento.
Contactada pelo i sobre o número de tuk tuks em circulação por todo o país, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes respondeu que “não existe informação centralizada” que “congregue todos os dados necessários” para poder responder. Tanto o Turismo de Portugal como o Instituto da Mobilidade e dos Transportes não congregam os dados, apesar de ser necessário registar os veículos tuk tuk para se poder desenvolver a atividade turística. No entanto, a AMT avançou que, até 2017, estavam inscritos 4646 agentes de animação turística no Turismo de Portugal, incluindo empresas de animação turística e operadores marítimo-turísticos, sem, no entanto, conhecer quantos veículos cada uma dispõe.
Esta lacuna deve-se ao facto, explicou a AMT, de não estar previsto na lei ou regulamentação a recolha de dados sistemática, apesar de ser relevante para “avaliar distorções concorrenciais pelo facto de empresas licenciadas para um efeito efetuarem na prática outro tipo de transporte sem cumprirem os requisitos”. É por isso mesmo que a instituição defende a “reavaliação do enquadramento legal aplicável ao transporte público e turístico” para as fronteiras entre ambos se tornem “claramente delimitadas”. A AMT anunciou também que começou a desenvolver “uma ação de diagnóstico sobre” os tuk tuks, com a publicação de um “relatório para breve”, e que “pretende fazer uma recomendação do Governo” para alterar a legislação existente.
Falta de regulação As opiniões divergem sobre se os tuk tuks representam uma mudança ou uma ameaça no que à mobilidade em Lisboa concerne, mas os especialistas ouvidos pelo i concordam na vertente anárquica do setor. “Surgiram de uma forma completamente intempestiva, aproveitando o grande fluxo turístico que Lisboa começou a ter e sem qualquer tipo de regulamentação”, explicou Fernando Nunes da Silva, especialista em mobilidade e ex-vereador do executivo camarário de António Costa entre 2009 e 2013.
A história dos tuk tuks parece ter começado com uma simples viagem do empresário Renato Ladeiro, de 41 anos, à Tailândia, onde viu centenas de tuk tuks a circularem pelas ruas com turistas a bordo. O empresário decidiu aplicar este modelo de transporte turístico em Portugal e, em 2011, registou o nome “tuk tuk” no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
Nem sempre a fama traz o esperado proveito e o modelo, mas também o nome “tuk tuk”, começaram a ser replicados por dezenas de empresas. Hoje, são milhares os tuk tuks a circularem pelas ruas portuguesas e o empresário está em guerra judicial contra pelo menos 40 empresas por, alegadamente, lhe terem roubado a ideia.
Sempre que uma nova ideia comercial surge, a regulamentação demora a acompanhar. Foi o caso dos tuk tuks. “Penso que o problema maior no caso de Lisboa foi a Câmara Municipal ter demorado tempo a perceber os impactos negativos que isso tinha [os tuk tuks] e a necessidade em se regulamentar”, critica Nunes da Silva. Ainda assim, o especialista reconhece que o executivo camarário deu alguns passos positivos para corrigir a situação, por exemplo o facto de a câmara pretender impor que os veículos passem a ser elétricos para diminuir a poluição sonora e ecológica e de ter começado a definir os locais de paragem para estes veículos. Entretanto, os empresários do setor já começaram a mudar para os tuk tuks elétricos, hoje a maioria.
O especialista acrescentou uma terceira necessidade de regulamentação, a dos contingentes, recusando a ideia de que o mercado irá regular essa questão automaticamente. “Devia haver uma contingentação que podia ser revista de tempos a tempos em função do próprio fluxo turístico e das condições de operação e de circulação”, sugeriu.
Lisboa prepara regulamento A Câmara Municipal de Lisboa está, desde dezembro de 2017, a trabalhar num regulamento camarário para regular o setor, tendo o mesmo estado em consulta pública por 30 dias. Em julho de 2017, o vereador Manuel Salgado afirmou ao “Público” que o regulamento estava a ser finalizado e que entraria em vigor no mandato atual. No entanto, os meses foram passando e, apurou o i, qualquer discussão sobre o tema não se encontra agendada na Assembleia Municipal para as próximas três semanas. O i tentou contactar o vereador Manuel Salgado, sem sucesso.
Carlos Gaivoto, também especialista em mobilidade e transportes, demonstra preocupação com o impacto deste veículos no congestionamento da cidade, relacionando-os com os táxis e Ubers, em detrimento de uma rede de transportes públicos mais “eficiente” e “ecológica”. “[Os tuk tuks] congestionam a cidade e diminuem o rendimento das redes de transporte coletivo”, afirma, referindo-se aos autocarros e elétricos. “Quando a cidade está dependente de demasiados táxis ou tuk tuks, parece-me que algo está mal. Se não há regulação e o setor é liberalizado, ainda pior”, acrescenta. O especialista dá ainda os exemplos de outras capitais europeias, onde os transportes públicos satisfazem as necessidades de mobilidade dos turistas e não se veem tuk tuks.
Opinião que Nunes da Silva não partilha, ao considerar que os tuk tuks “respondem a um tipo de procura diferentes” por estarem “vocacionados para percursos turísticos muito bem determinados”. Caso contrário, diz, os turistas seriam obrigados a utilizar vários meios de transporte para verem a cidade. Ainda assim, ambos concordam com o atual caráter anárquico do setor. “ Nunes da Silva refere a “zona da Baixa, do Castelo e do Bairro Alto” como casos paradigmáticos, sendo suficientes “para se perceber que [o setor] funciona de uma forma completamente anárquica”.