Condé Nast: Afinal, qual é a linguagem do luxo?

Como serão os mercados de luxo no futuro? O que é mais importante: a posse ou a experiência? As peles de animais continuarão a fazer sentido para as grandes casas de moda? A ‘Condé Nast International Luxury Conference’ este ano realizou-se em Lisboa e o SOL esteve lá. 

Suzy Menkes é, há décadas, a mais respeitada jornalista de moda do mundo. A mulher da franja apanhada em forma de poupa é jornalista desde a década de 60, trabalhou sempre nesta área em publicações como o The Times, Daily Express e International Herald Tribune – este último durante 25 anos. Tinha 70 anos quando, em 2014, se tornou líder das edições internacionais da Vogue. E foi desde então que a sua voz e conhecimento profundo da área da moda começaram a ter um impacto global e, curiosamente, transversal a gerações.

Menkes é conhecida por não aceitar ofertas das mais conceituadas marcas do mundo, sobre as quais escreve, pois só assim consegue manter a «honestidade do jornalismo» – e tal num tempo em que as ofertas das marcas são apresentadas nas redes sociais como «troféus» não é de somenos; por conseguir antecipar o jogo de cadeiras ao leme das casas de moda; por criticar o «circo» à volta deste mundo (há uns anos chamou pavões a quem ia aos desfiles ser fotografado e não ver as coleções) e por encorajar as pessoas a verem de onde vem a roupa que compram e como é feita, para terem a certeza de que estão a fazer escolhas informadas. Hoje, aos 74 anos, chega a mais pessoas do que nunca: os seus artigos são publicados em 16 línguas em 23 sites internacionais da Vogue e tem qualquer coisa como 67 milhões de leitores.

Serviu este introito sobre a própria Suzy Menkes para chegarmos às Condé Nast International Luxury Conferences, criadas em 2015 pela própria. Depois de Florença (Itália), Seul (Coreia do Sul) e Muscat (Omã), Lisboa tornou-se esta semana a quarta capital do evento que reúne os mais prestigiados criadores de moda, investidores e gente ligada ao segmento do luxo. Este ano, a lista de oradores compunha-se de quase vinte nomes, como a atriz Hillary Swank – que lançou a marca Mission Statement –, Maria Grazia Chiuri, diretora criativa da Christian Dior –, Giambattista Valli, Jonhy Coca (diretor criativo da Mulberry), Christian Louboutin, Federico Marchetti – fundador e CEO do portal de vendas online Yoox do Net-A-Porter ou Simone Rocha (designer irlandesa descendente de macaenses).

No palco, estiveram também os portugueses Felipe Oliveira Baptista, diretor criativo da Lacoste; Paula Amorim, que falou do momento de fascínio externo que o país atravessa; a dupla Marta Marques e Paulo Almeida, fundadores da Marques’Almeida, Sofia Lucas e Manuel Arnaut, diretores da Vogue Portugal e Arábia, respetivamente. António Costa acabou por não comparecer.

Para uma conferência intitulada ‘A Linguagem do Luxo’, Suzy viu em Lisboa – e Portugal – a casa ideal. «Está tudo a acontecer em Lisboa», referiu aos jornalistas um dia antes do início da conferência, que decorreu na quarta e quinta-feira no Pátio da Galé. Elogiou as novas vibrações da cidade aliadas à herança da história, contou que esteve no Porto – onde diz nunca ter «visto tantos sapatos na vida», que estava apaixonada pelos azulejos e que via no trabalho artesanal e manual – por exemplo, na joalharia –, um boa oportunidade comercial para Portugal. Nos dois dias seguintes, Suzy trouxe sempre que pôde o tema da portugalidade para a mesa – fosse a pedir dicas para passar aos designers portugueses, a entrevistar o amigo Christian Louboutin (que no início da semana deu uma festa em sua honra na casa que mantém em Lisboa) ou a contar que devia a Sofia Lucas uma agradável experiência: provar um pastel de nata. No próximo ano, a conversa vai até latitudes ainda mais quentes: África do Sul.

Um pátio bem recheado

A linguagem em comum era o luxo, a língua franca o inglês, o cenário do encontro o Pátio da Galé. Cerca de 500 pessoas pagaram uma entrada de 4.920 euros – que contemplava, além da conferência, duas festas: a primeira no Palácio de Xabregas, na terça-feira à noite; a segunda no salão nobre do Ritz, na quarta. Vindos de todo o globo, procuravam aqui expandir a rede de contactos e tentar antecipar como se comportarão os mercados – e quem serão os clientes – neste segmento. Uma questão que, ela própria, muda com uma velocidade estonteante. 

Neste campo, Alexandre Arnault, que aos 25 anos é CEO da marca de malas de viagem de luxo Rimowa, fez uma das intervenções mais curiosas. Embora pertença à geração millennial, para a qual «a experiência é mais valorizada do que a posse», Arnault acredita que os bens de luxo vão continuar a ter o poder de «transformar». E pediu às marcas que dessem um passo atrás. «Uma marca nunca deve dar demasiado ênfase às aspirações de uma única geração», afirmou.

Também Claus-Dietrich Lahrs, CEO da italiana Bottega Veneta, uma das maiores marcas de pele do mundo, subiu ao palco para falar do futuro da casa que lidera e fez uma afirmação que sintetiza os tempo de mudança: já estão à procura de materiais alternativos para deixar o uso de peles -de animais no passado.

Mas foi uma ‘ovelha negra’, como próprio se denominou, a arrancar a maior salva de aplausos da plateia. Stefan Siegel, fundador da plataforma de moda sustentável Not Just a Label (que liga diretamente os clientes aos designers, que assim recebem diretamente 70% do valor pago pelos produtos), pediu uma revolução na indústria, criticando todo o poder que as marcas dão aos influenciadores digitais oferecendo-lhes roupas e acessórios. «Estamos a ensinar às crianças o caminho da adição deixando-as seguir cegamente celebridades no Instagram. Não há orgulho em deixar que uma criança quatro horas à espera numa fila para comprar uns ténis». Stiegel apelou, assim, a um retrocesso neste caminho «destrutivo» de consumismo. «Mudar o mundo deixou de ser uma opção, é uma obrigação», afirmou. «Vamos começar uma revolução?». As palmas não se fizeram esperar. Entretanto, a indústria da moda continua a ser a uma das mais poluentes do mundo.