Eu, da corte, me confesso

Caro dr. Rui Rio,  Nasci em 1995, em Lisboa. Licenciei-me em Ciência Política com uma média até decente. Entrei na faculdade com uma bolsa de mérito. No segundo ano, perdi essa bolsa devido a uma intensa dedicação ao associativismo e às imperiais (o dr. chama-lhes ‘finos’) e no terceiro ano tornei-me trabalhador/estudante. Hoje, sou jornalista,…

Caro dr. Rui Rio, 

Nasci em 1995, em Lisboa. Licenciei-me em Ciência Política com uma média até decente. Entrei na faculdade com uma bolsa de mérito. No segundo ano, perdi essa bolsa devido a uma intensa dedicação ao associativismo e às imperiais (o dr. chama-lhes ‘finos’) e no terceiro ano tornei-me trabalhador/estudante. Hoje, sou jornalista, como aliás o dr. sabe, e não tenho ainda dinheiro para arrendar uma casa com a minha namorada, como porventura o dr. não saberia. Tudo isto para dizer-lhe, meu caro dr., que apesar de nascido, criado e residente na capital (o dr. chama-lhe ‘corte’) não devo nada a ninguém. Ao contrário do que o dr. insinuou recentemente, os devedores à banca não são todos aqui de baixo, de Lisboa («Não é nenhum lá de cima, da Guarda, nem de Mirandela»). Sabendo eu que o dr. não tem dúvidas, que «não é preciso puxarmos muito pela cabeça» para presumirmos de onde são os tais devedores, saiba o dr. que eles são os mesmos devedores que o partido liderado pelo seu primeiro-ministro não deixou investigar em Comissão de Inquérito; mas, enfim, o dr. ainda não estava cá para resolver esse consenso em nome do interesse nacional.

Agora que lhe garanti que (apesar de ser lisboeta) não devo nada a ninguém, vamos àquilo que o dr. deve realmente a alguém. Comecemos pela dignidade do partido que o elegeu – um partido de centro-direita (o dr. chama-lhe ‘do centro’) – que não costuma precisar de aumentos na função pública em vésperas de ano eleitoral. Passemos pelo afamado «banho de ética», que acabou com o dr. a culpar a imprensa pelo facto de o seu ex-secretário-geral ter falsificado um currículo e «induzido em erro» uma universidade. Continuemos para a coerência por si prometida, com «jovens» como porta-vozes e «experientes» como coordenadores do partido, mesmo que um dos supostamente «jovens» já passe os 70 anos de idade. Contornemos a jura à descentralização interna, esquecendo que esses coordenadores andaram a escolher esses porta-vozes consoante a proximidade entre as suas moradas. Recordemos a garantia de «respeito ao trabalho» do seu antecessor, tão evidente assim que o dr. convidou a bastonária que processou um governo dele (e do PSD) para sua vice-presidente. E terminemos, em estilo, na promessa de contrariar «o populismo» de André Ventura e das suas generalizações étnicas quando aquilo que o dr. tem feito não é mais do que uma generalização também populista (mas regional) contra a minha cidade e contra os lisboetas – sendo que os pais e avós de muitos lisboetas são minhotos, beirões, transmontanos, etc.. 

Confesso-lhe, dr., que estes seus ataques ao que está mais a sul fazem lembrar os tempos idos de Jorge Nuno Pinto da Costa, algo deveras irónico vindo de si, com a manifesta diferença de nunca termos visto Pinto da Costa candidatar-se ao segundo lugar de ninguém.

Desde que o meu caro dr. regressou à política ativa, eu, aqui da corte, já fui acusado de ser «passista» (o que é uma medalha), de ser «avençado do Santana» (o que ajudaria a arrendar a tal casa com a minha namorada) e, agora, de ser «devedor à banca» por ter nascido em Lisboa. Tenho de admitir: ideias não faltam ao seu PSD. Qualquer dia os militantes da capital deixam de falar aos pais que os conceberam em tão enferma cidade. Olhe que não queremos cá misturas… (o dr. chama-lhes ‘acordos’)

Cumprimentos,